terça-feira, 20 de novembro de 2018

Manual de sobrevivência em meios socialmente hostis

Presenciando cenas pela manhã bem cedo recordo uma pessoa que conheci em São Tomé e Príncipe há uma eternidade e de quem perdi o rasto há longo tempo por vontade própria e impulsionada pelo destino. O conhecimento adveio de um trabalho no qual eu estava envolvida, missões de cooperação, sendo o indivíduo o coordenador das acções. Com o tempo percebi que não era uma pessoa que se coadunasse com o meu feitio ou forma de estar na vida, nem sequer recebeu a minha admiração por se ter revelado de extrema "complexidade", não apenas comigo mas com outras pessoas do meu entorno. Mas tenho de reconhecer que me ensinou algumas coisas interessantes que agora recordo.
Sempre que surgiam "crises sociais" em resultado de "desencontros" ou "desacertos" durante as minhas estadias, mesmo que eu não estivesse directamente envolvida, mas porque procurava compreender - na verdade, nestas missões nem tudo corria sobre rodas - esse indivíduo relembrava-me que normalmente não viajamos com um "Manual de sobrevivência em meios socialmente hostis" porque, em boa verdade ainda não foi escrito. E seguia enumerando algumas "regras básicas":
Regra nº 1: não se sinta superior a ninguém, sobretudo quando não conhece aprofundadamente os outros...
Regra nº 2: oiça mais do que fale, é sempre melhor deixar os outros escorregar do que tropeçar nas próprias palavras...
Regra nº 3: observe as inseguranças alheias antes de revelar as suas...
Regra nº 4: sorria sempre e muito, é melhor considerarem-na tola do que antipática e arrogante, já que proporciona menor motivo de aprofundamento semântico ao serão... (Há que dizer que naquela época em São Tomé e Príncipe não havia muito para fazer nos serões sociais além de comentar a vida alheia...)
E assim era a conversa, rica e profunda... mas lá que fazia sentido... oh se fazia...

segunda-feira, 17 de setembro de 2018

Desculpe... como disse???? Há muito que não se pratica o fanado na Guiné-Bissau????

"Líder das mulheres de Cutiá, na Guiné-Bissau, garante fim da excisão genital. Médico local diz que não há certezas" - Jornal EXPRESSO AQUI



quinta-feira, 30 de agosto de 2018

Sobre a "arte da tatuagem"


Desculpem-me os meus amigos que são apaixonados por tatuagens, mas será limite meu não conseguir deixar de olhar, pensar e tentar entender porque é que há pessoas que pintam partes do corpo como as barrigas das pernas. E os braços como se fossem mangas de uma camisola com padrão jacquard. E o pescoço como se tivessem colocado um colar cheio de enfeites para adorno. Uns tatuam pequenas partes do corpo de forma aparentemente subtil, mas expõem-nas como se fosse o mais belo que tivessem para evidenciar. Outros deixam a centralidade da tatuagem coberta deixando a nossa criatividade criar e recriar o que poderá haver para lá de um pequeno risco. Outros cobrem o corpo com tal intensidade que não há célula visível que não esteja preenchida. Pintam tanto de preto como com colorações variadas. E pintam, pintam, pintam… ou deixam-se pintar.
Uma pintura é, em regra, uma obra de arte com um significado simbólico tanto para o artista que a cria como para quem a adquire. Qualquer artista procura que as suas obras de arte sejam vistas e admiradas pelo máximo público possível e o olhar crítico dos entendidos é imediatamente atraído para uma observação atenta, cuidada e interpretativa das cores, do traço, da forma e do estilo. E este é um factor de valorização da própria pintura. Por mais complexo que possa parecer, toda a obra de arte é sujeita a uma leitura analítica e compreensiva. E a tatuagem? Enquanto pintura criada por um artista, adquirida por um cliente que a expõe aos olhares alheios… também pode ser definida como obra de arte? E nós, os simples observadores por obrigação e não especialistas? Nós que involuntariamente temos os olhos inundados pelas imagens mais improváveis, muitas incompreensíveis com desenhos disformes e conjugações impensáveis de cores nos locais mais inesperados.
Todos os dias, sem excepção, neste Verão incomum, os meus olhos têm recaído em pessoas semi-vestidas que expõem corpos cuja pele se encontra em grande medida pintada. Na praia, nos centros comerciais, nos supermercados, nos restaurantes, nas ruas, nos jardins públicos, no ginásio. Além de gostarem de mostrar as obras de arte que fazem circular alegremente entre desconhecidos, param junto a superfícies espelhadas e visualizam-se orgulhosamente, certificando-se de que as pinturas ainda não ganharam asas e se mantêm por ali. E sempre que a oportunidade de dá pegam no telemóvel e cá vai uma selfie para registar a belezura do desenho e partilhar de seguida nas redes sociais.
E enquanto vou observando os diferentes “modus vivendi” sou levada a pensar que estas pessoas se sentem obras de arte ambulantes, itinerantes talvez, porque expõem o corpo como uma tela em que alguém pintou uma história que eles próprios, que a transportam, não sabem relatar. O orgulho que estas pessoas depositam nas pinturas que carregam faz-me pensar que, de alguma forma, devem sentir-se mecenas na promoção da arte. Para mim, o grande problema é não levarem com eles uma pequena placa interpretativa com a explicação do significado da obra que promovem com infinita ternura. E assim vou percebendo a dimensão dos meus profundos limites de conhecimento da realidade nacional. Não entendo a função da tatuagem que, na maioria dos casos, transporta o meu pensamento para interpretações pouco abonatórias e simpáticas, mas compreendo menos ainda o motivo da ostentação. E assim me confesso… sou uma desconcertada iletrada sobre arte corporal humana…


terça-feira, 28 de agosto de 2018

O perfume da terra ou o cheiro dos deuses

"Perfume da Terra" ou "Cheiro de Deuses". Sim, poderia bem ser uma destas duas denominações porque, em determinados dias quando a água do céu toca o chão, a alma e o coração são facilmente transportados até às longínquas terras do sul que guardam as mais doces e ternas lembranças, recordações ou memórias. Nestes dias de chuva imprevista, tudo o que ficou no tempo é reavivado aguçando a saudade. Hoje cheirou-me a essa terra molhada que ao anoitecer é iluminada pela lua cheia... :-)

"Noite de Verão molhada por uma chuva breve que deixou no ar um "perfume da terra" ou um "cheiro de deuses". Noite de Verão que deixou no ar um cheiro carregado de memórias e saudades de verões passados mais a sul. Petricor é o cheiro da terra molhada que fica no ar depois da chuva cair no chão seco e traz-nos sensações de prazer e bem estar. Há investigadores que acreditam que gostamos desse cheiro porque se trata de uma herança atávica da humanidade, que desde sempre dependeu da chegada das chuvas para sobreviver. Na Índia, chama-se de “perfume da terra” mas a palavra petrichor foi cunhada em inglês, em 1964, pelos pesquisadores da agência nacional de ciências da Australia, CSIRO e vem do grego petra (pedra) e ichor, que na mitologia era o sangue etéreo dos deuses." por Ariana Cosme

terça-feira, 10 de julho de 2018

Definitivamente... o Mundo pode ser um lugar melhor...

Definitivamente, o Mundo deveria colocar os olhos nestes dias em que o sentimento de angústia foi sobreposto pela esperança e pela capacidade desta grande equipa, em número e na nobreza do carácter, trabalhar em conjunto, ultrapassando as diferenças comunicacionais e os padrões culturais, tendo na mira o mais importante de todos os objectivos. Grandes pessoas que por ali estiveram e trabalharam em conjunto, unidos e articulados. Grandes pessoas que, em momento algum, procuraram ser estrelas, mantendo o anonimato porque o foco tinha de ser apenas um, salvar as 13 vidas que estavam nas entranhas da Terra e que tinham de sair de lá urgentemente. Grandes pessoas pela dedicação e abnegação, pela disponibilidade e entrega, pelo altruísmo e solidariedade. São pessoas como estas que me fazem acreditar na Humanidade e ter orgulho na acção humana em cooperação. Grandes e magníficos!
Foto que vale mais do que milhões de palavras.... do DN, 10/07/2018

domingo, 15 de abril de 2018

Fazes-me falta...


À medida que envelhecemos deveríamos ter a capacidade proporcional aos anos de ser resilientes perante a dor da perda, aceitando-a. Mas não é assim. Nem sempre. Pelo menos, não comigo. O que sinto é precisamente o contrário, uma crescente intolerância à dor e uma profunda incapacidade em aceitar a perda de tudo o que mais gosto.
A vida parece ser uma construção imparável e só nos damos conta disso quando, de repente, aquilo que andámos a construir se desmorona. Nessa altura, somos assolados por um turbilhão de emoções, a maioria, conflituantes e de difícil aceitação. Tudo se confunde e o vazio invade-nos de repente e sem pré-aviso com um sentimento devastador que ganha terreno.
Sentimentos que, ao longo do tempo, se aprofundam, relações que se enraízam, laços que se estreitam até ser imperceptível onde começa uma parte e acaba a outra. A vida mistura-se e confunde-se e habituamo-nos a viver assim nesta rede emocional que não se desfaz até que um dia um dos elos se quebra. A perda ganha espaço, a saudade invade os segundos e domina os dias, não nos deixando margem para fazermos escolhas. A vida perde sentido e a força esmorece dando a sensação de desfalecimento.
Cada perda que a vida impõe diminui a minha capacidade de resistir e de aceitar a ausência marcando uma parte de mim para sempre. 
Fazes-me falta e, independentemente do tempo ir passando rapidamente, a expressão do teu olhar está retida na minha memória e todos os dias te relembro.

domingo, 1 de abril de 2018

Bond: estarás in a better place...



Estou profundamente triste pela tua perda, Bond. Triste sobretudo pela forma como tudo aconteceu e com uma infinita mágoa com quem não cuidou de ti como precisavas e merecias. A tua vida terminou no Hospital Veterinário do Restelo. E as minhas impressões são as piores. Já eram antes porque tiveste o azar de andar por lá quando eras cachorro e tudo correu mal. Agora voltou a correr mesmo mal e só foste para lá porque o teu veterinário, que te acompanhou durante nove anos, incluindo três cirurgias, a última na véspera da tua passagem, me recomendou que era a melhor. 
O que se passou no espaço de tempo que não chegou a 36 horas foi simplesmente inenarrável, pelo menos, nesta altura, não consigo traduzir por palavras o que me passa na alma e aperta o coração. Perdi um amigo e antes já perdi muitos outros amigos de quatro patas. Todos tiveram o seu espaço no meu coração e todos foram muito especiais, pelo que a perda também sempre foi difícil de gerir. Mas, nesta altura, e depois do dia de ontem, mais do que simplesmente a perda de um cão que era muito importante para todos nós, o que maior mágoa causou foi a forma como foste destratado. Tu e nós. 
A odiosa e excessiva vertente comercial do Clínica Veterinária do Restelo, que parece existir apenas para cobrar sem que a assistência corresponda, em particular numa situação de urgência, a ausência de resposta eficaz, o total desconhecimento do veterinário que te acompanhou, que estava mais em branco e no vazio, agindo às apalpadelas para fazer o diagnóstico, do que qualquer uma de nós, o sentimento de engano permanente e sucessivo que durou horas infinitas, o confronto muito consciente da pouca importância que nestas ocasiões temos e a incapacidade de ir ao encontro da angústia que se sente perante um vazio total. Tudo foi vivido de forma desconcertante.
Como tive a oportunidade de dizer ao muito jovem veterinário que tiveste a infelicidade de conhecer, não sei se o problema foi apenas incompetência ou ignorância na forma de melhor cuidar, mas certamente que a atitude de vendedor de banha da cobra para quem tudo vale e serve com o simples objectivo de faturar umas boas centenas de euros perante a fragilidade alheia não foi a mais adequada para ninguém. Antes de chegarmos ao inferno que se revelou a Clinica Veterinária do Restelo, não sei se o enquadramento da cirurgia, supostamente bem sucedida, influenciou de alguma maneira o seguimento do teu estado. Para nós, o final da tua vida ficará envolto em incerteza e mistério, não sendo de todo claro o que aconteceu. A única coisa que é para mim clara é que me fazes falta. Uma falta indescritível, profunda, infinita. Muito verdadeira. Tu eras parte de mim e isso aquela gente não entenderá jamais porque tratarem de animais ou engraxarem sapatos é quase o mesmo. Tu eras o nosso amarelinho, o fuça, o pateta querido, o beiçolas, o Bondinho. Eras tu e isso era tudo! Fiel e dedicado, protector e companheiro, Amigo apaixonado.
Ao longo do dia, o cenário foi dantesco. Quiseram fazer-te uma transfusão quando tinhas os níveis da hemoglobina normais e não tinhas anemia… mas a ideia que me passaram foi que virias a precisar passadas duas horas; quiseram submeter-te a nova cirurgia desta vez ao abdómen porque supostamente estavas com hemorragias que podiam ser uma metástase hepática, mas não havia sangue. Quiseram saber se a hemorragia era “por cima ou por baixo”… sem que eu percebesse ao certo o que me perguntavam porque, na verdade, não havia nenhuma hemorragia… e o tempo foi passando. Não fizeste nada disso. Tinhas de ficar internado pelo menos 3 dias mas tiveste uma paragem ao fim de uma hora de eu ter saído. Precisavas de oxigénio, mas como era hora de visitas, terão retirado e iriam colocar depois de sairmos… Terás tido oxigénio em algum momento??? 
Peço desculpa, mas tenho todo o direito de questionar… de questionar tudo porque me senti ludibriada. Todas as soluções que me davam resultavam num simples aumento de custos. Com o coração como tinhas na altura, mais uma anestesia seria "fantástica" porque fulminante, mas teria de ser paga. Isto é roubo! Qualquer leigo perceberia que não tinhas nenhuma hemorragia nem condições para ser aberto. Tinhas o coração fraco mas o veterinário não questionou essa possibilidade...O coktail do dia anterior terá sido bombástico... anestesia prolongada e medicação em doses cavalares. 
Não foste bem tratado porque não recebeste os cuidados que necessitavas. Por desconhecimento e falta de experiência, por simples incompetência ou desinteresse. Não sei!!! A ideia que me passaram ao telefone foi que, perante a paragem cardíaca, a Clínica Veterinária do Restelo terá feito tudo para te salvar. Pois sim, pode ser… eles podem dizer o que quiserem e bem entenderem,  mas eu vi como estavas. Ninguém me contou. Cães monitorizados naquela sala???? É uma mentira pegada. Nenhum estava!… Eu vi…! Uma vergonha, numa clínica veterinária onde os cuidados são pagos a peso de ouro, onde se faz uma ecografia abdominal e um raio-x, mas não um electrocardiograma quando o coração estava a fraquejar? Onde se fazem análises de sangue a N coisas, mas não às funções cardíacas para despistar enfartes. Provavelmente foi o que tiveste. Quando o veterinário foi confrontado pela minha irmã que é médica, limitou-se a anuir, mas antes não colocou esta hipótese. Se neste processo não houve má fé, certamente houve incompetência.
Não, não estou satisfeita e não poderia estar quando me fazem quatro orçamentos diferentes ao longo do tempo em que ali estive, paguei um balúrdio e partiste. Nesta altura acredito que foi o melhor para ti, paraste de sofrer e estarás certamente num lugar melhor. Mas foi tão duro sentir que te perdia e que estava impotente para o que quer que fosse. Como poderia estar satisfeita? E a comunicação por telefone foi nestes termos: “É a dona do Bond? Ah… Olá, está boa? Pois não tenho boas notícias para si, o nosso amigo teve uma paragem, eu fiz tudo o que era possível para o reanimar mas ele não resistiu”. Como é????? “Ah… Olá, está boa?” para me dar a notícia da tua morte???? Não estava boa, não, e depois da conversa com ele menos fiquei, como deve ser óbvio para alguém que tem dois dedos de testa e sabe pensar com sensibilidade. O “nosso amigo”???? – será que não tem noção??? Não, não tem! Amigo é o que cuida, o que conhece, o que se dedica, o que não abandona! E aquela figura de bata verde passeou-se durante todo o tempo com um frasco de sangue supostamente teu, mas não cuidou de ti. Não foi teu amigo!
Talvez fosse a hora de partires, talvez não fosse possível estares mais tempo comigo e só posso agradecer pela oportunidade que tive de usufruir da tua alegria e amizade, da tua nobreza porque para mim, e para quem te tratou bem, foste um Amigo. Grande. Enorme. Com uma grandeza e nobreza tão grandes como muitos humanos não têm. Mas os funcionários desta Clínica não sabem o que são amigos e não sabem cuidar de animais, não são sensíveis e aproveitam a fragilidade dos donos para extorquir dinheiro porque é o que se faz ali. Aquela clínica existe para fazer dinheiro e é muito triste perceber que o dono é o bastonário da Ordem dos Veterinários. Pois não lhe fica bem nada disto!

Estou triste porque partiste fisicamente e a tua companhia faz-me falta, é certo, mas a mágoa que sinto é inenarrável, apenas porque neste processo ninguém te soube tratar, a minha sensação de impotência foi enorme. Infelizmente, os meus piores receios confirmaram-se – entraste mal, não tiveste o acompanhamento necessário e já não saíste. Este sentimento vai demorar a passar. Mas, uma coisa é certa: se eu tiver de aconselhar uma clínica veterinária a alguém posso não conseguir fazê-lo, mas por certo que desaconselharei vivamente a Clínica Veterinária do Restelo, onde a transparência não existe, não há competência, nem seriedade, nem respeito. Sobretudo, não há ética.
E tu, querido Bond, estarás agora num sítio melhor e em paz.

sexta-feira, 2 de fevereiro de 2018

Lembranças duras de aroma adocicado

A vida é mesmo assim, leva-nos por caminhos impensados, puxa-nos muitas vezes para fora da nossa zona de conforto e de seguida afasta-nos do que passámos acreditar que era o nosso caminho. Depois, de tempos a tempos, o coração volta a saltar e o pensamento regressa a paragens distantes, a locais por vezes inóspitos, a contextos difíceis, mas onde a ternura se transmite num olhar curioso, num sorriso tímido ou num gesto de apoio inesperado.
A Guiné-Bissau é assim para mim. Fui até lá há muitos anos, por opção, com uma imagem criada talvez só por mim e que fui desconstruindo à medida que os dias foram passando, que o regresso se fez sentir e que a minha vida mudou sem aviso. Era o ano de 1996. Confrontei-me com muita coisa, talvez não estivesse preparada para vivenciar modos de vida tão diferentes e para aceitar, apesar de nem sempre compreender, que neste Mundo, nem todos pensamos da mesma maneira, quanto mais vivemos. Foi uma experiência dura para mim, é certo, mas foi muito enriquecedora. Depois tive um longo afastamento pessoal da Guiné-Bissau. Dei comigo a pensar em Moçambique, depois em Cabo Verde e de forma mais consistente em São Tomé e Príncipe, para onde me mudei e onde vivi por uma temporada. Até que o regresso à Guiné-Bissau se fez presente de novo, desta vez de uma forma mais madura e preparada para as muitas diferenças que encontrei. E voltei, uma e outra, e mais outra e tantas vezes. E sempre que regressei encontrei diferentes Guinés-Bissau, apesar do país ser o mesmo. Andei por todo o país, conheci paisagens tão diferentes, uma enorme diversidade de padrões culturais e de grupos étnicos. Tive contacto muito directo com régulos e conselhos de regulado, com homens grandes e grupos de mulheres empreendedoras, com diferentes credos e com crianças lindas e alegres.
Em todos os momentos em que estive na Guiné-Bissau tive a oportunidade de viver experiências fantásticas, de contactar com especificidades magníficas tanto naturais como culturais, mas havia sempre, e em todos os momentos, um factor que marcava as idas, as permanências e os regressos: a instabilidade política, a incerteza quase regular em relação à forma como os dias decorriam. E este tornou-se, para mim, um aspecto desconcertante.
Agora estou há uns anos sem ir à Guiné-Bissau, mas continuo interessada no rumo da vida e no seguimento dos acontecimentos, procurando vislumbrar sinais de uma estabilidade que gostaria que o país tivesse, mas que parece difícil de implementar. E a cada novo percalço que os guineenses vivem, de forma quase cíclica, muitas imagens regressam à minha cabeça. Mas há uma que, inevitavelmente, assalta a minha memória: o despertar dos morcegos com o anoitecer em Bissau esvoaçando em busca de mangas, salpicando o chão e deixando no ar um aroma adocicado e intenso...

A intensidade do ocaso

Que sensação estranha... deixar para trás o ocaso com as suas cores tépidas e mergulhar no escuro da noite. Ainda mais com os pés frios. Sempre gostei de contemplar o ocaso, preenche-me e reconforta-me. Faço-o sempre que posso. Amiúde e indiferentemente do local onde esteja. 
Esta hora é infinitamente mais bonita no campo do que na cidade. Independentemente do campo que visite ou da cidade por onde passe. As cores e os contornos das árvores e dos arbustos contrastando com a intensidade da luz que os realça. A paz que todo o ambiente inspira dando-me a sensação de que estou a viver um momento zen. Tudo me parece mais intenso e genuíno no campo. Além das cores, as sensações, os encontros, as conversas, os silêncios, a solidão, a vida... 
A vida é intensa no campo e intenso é o tempo que se vive e partilha. Momentos marcados pela intensidade que facilitam a observação, a contemplação e a interpretação do que a natureza na sua máxima expressão tem a dizer e a dar. A nós, só cabe receber e acolher com a mesma intensidade...

Da Covilhã para Lisboa, 29 de Janeiro de 2018 

quinta-feira, 1 de fevereiro de 2018

Palavras que nunca direi a um sentimento perdido

Sim, eu sei, não tenho de o fazer, mas se, por algum acaso desta vida, tivesse, poderia dizer-te com total certeza: «eu fui muito feliz contigo».
Nem sei porque é que este pensamento veio até mim agora. Logo agora, passados tantos anos. Mas veio. E, como em quase tudo nesta vida, eu acredito que temos de ser justos e honestos, connosco e com os outros. Sempre te disse isso. E tu foste tão pouco. Duplamente, porque foste pouco justo e pouco honesto. E eu duplamente burra porque muito crédula e muito honesta, comigo e contigo.
Lembras-te de ouvirmos em conjunto - às vezes muito juntos - o "Honesty" do Billy Joel? Lembras, certamente porque o som acompanhava-nos no jantar dando direito a conversas sem fim, a sorrisos, a  algum riso e muitos silêncios. Esta música também estava num dos cerca de 100 CDs que, quando parti, te emprestei, a teu pedido. Ou doei... ou dei... Vá-se lá saber que acasos desta vida fizeram com que tu nunca os devolvesses. Nem os CDs nem a pasta que os protegia. Vá-se lá saber a que mãos e ouvidos foram parar. E que corações foram tocar... Talvez eu até sempre tenha suspeitado, mas talvez isso agora não interesse saber. E também talvez nunca tivesse feito sentido procurar saber...
Esmiuçar o passado é desenterrar as memórias mais profundas, até aquelas que não queremos mais lembrar, por isso o certo é deixá-las estar no sítio de onde não devem sair...
Mas vou-te dizer uma coisa que talvez devesses saber. Para  mim, o pior de tudo foi perder a pasta. Era de pele, genuína e tinha um valor, mais do que material, simbólico e afectivo. Não sabias e não tinhas de saber, tinhas apenas de devolver. Nunca mais a vi e custa-me acreditar - apesar de ser mais do que claro e óbvio para mim - que a ofereceste num momento de delírio estúpido, ou de falta de lucidez causado por um qualquer entusiasmo e empolgamento a que tanto eras dado.
Pois foi, apesar de tudo fui feliz contigo e tu foste tão infinitamente estúpido. Talvez ainda sejas. Acredito que a estupidez afectiva não se corrige, ao contrário, agrava-se com a idade e a tua já deve pesar um pouco. Se continuas estúpido, sinceramente já não me interessa comprovar. Deixo a tarefa da certificação para quem tenha vontade ou paciência para passar por provações dolorosas...!

NOTA BEM: os CDs eram cópias, o único valor que tinham era mesmo o sentimental por estar associado a uma época, e esse acaba por se esbater com o tempo até desaparecer...

Lisboa, 3 de Janeiro de 2018, a propósito de um sentimento perdido algures na proximidade do Equador

quarta-feira, 24 de janeiro de 2018

Sobre as voltas da vida


O tempo transforma a vida e a vida transforma-nos.
Queremos agarrar o tempo e controlar a vida ao pormenor sem nos darmos conta que o tempo não pára... Flui, escorre, desliza, escorrega... E a vida dá voltas, cambalhotas e piruetas sem fim, testando a nossa capacidade para encontrar o equilíbrio e não cair...

Lisboa, 21 de Janeiro de 2018

sábado, 20 de janeiro de 2018

Momentos...

A vida é feita de momentos. Vividos, partilhados, sentidos, observados. Uns que sucedem a outros. Uns que se sobrepõem a outros. Uns procurados, outros inesperados. Momentos que se juntam e multiplicam. Momentos que se cruzam e complicam. Nada mais do que momentos que, com o tempo, se misturam, confundem e se perdem...

Lisboa, 10 de Janeiro de 2018

Foto: São Tomé e Príncipe, 2014

Manual de sobrevivência em meios socialmente hostis

Presenciando cenas pela manhã bem cedo recordo uma pessoa que conheci em São Tomé e Príncipe há uma eternidade e de quem perdi o rasto há ...