domingo, 15 de abril de 2018

Fazes-me falta...


À medida que envelhecemos deveríamos ter a capacidade proporcional aos anos de ser resilientes perante a dor da perda, aceitando-a. Mas não é assim. Nem sempre. Pelo menos, não comigo. O que sinto é precisamente o contrário, uma crescente intolerância à dor e uma profunda incapacidade em aceitar a perda de tudo o que mais gosto.
A vida parece ser uma construção imparável e só nos damos conta disso quando, de repente, aquilo que andámos a construir se desmorona. Nessa altura, somos assolados por um turbilhão de emoções, a maioria, conflituantes e de difícil aceitação. Tudo se confunde e o vazio invade-nos de repente e sem pré-aviso com um sentimento devastador que ganha terreno.
Sentimentos que, ao longo do tempo, se aprofundam, relações que se enraízam, laços que se estreitam até ser imperceptível onde começa uma parte e acaba a outra. A vida mistura-se e confunde-se e habituamo-nos a viver assim nesta rede emocional que não se desfaz até que um dia um dos elos se quebra. A perda ganha espaço, a saudade invade os segundos e domina os dias, não nos deixando margem para fazermos escolhas. A vida perde sentido e a força esmorece dando a sensação de desfalecimento.
Cada perda que a vida impõe diminui a minha capacidade de resistir e de aceitar a ausência marcando uma parte de mim para sempre. 
Fazes-me falta e, independentemente do tempo ir passando rapidamente, a expressão do teu olhar está retida na minha memória e todos os dias te relembro.

domingo, 1 de abril de 2018

Bond: estarás in a better place...



Estou profundamente triste pela tua perda, Bond. Triste sobretudo pela forma como tudo aconteceu e com uma infinita mágoa com quem não cuidou de ti como precisavas e merecias. A tua vida terminou no Hospital Veterinário do Restelo. E as minhas impressões são as piores. Já eram antes porque tiveste o azar de andar por lá quando eras cachorro e tudo correu mal. Agora voltou a correr mesmo mal e só foste para lá porque o teu veterinário, que te acompanhou durante nove anos, incluindo três cirurgias, a última na véspera da tua passagem, me recomendou que era a melhor. 
O que se passou no espaço de tempo que não chegou a 36 horas foi simplesmente inenarrável, pelo menos, nesta altura, não consigo traduzir por palavras o que me passa na alma e aperta o coração. Perdi um amigo e antes já perdi muitos outros amigos de quatro patas. Todos tiveram o seu espaço no meu coração e todos foram muito especiais, pelo que a perda também sempre foi difícil de gerir. Mas, nesta altura, e depois do dia de ontem, mais do que simplesmente a perda de um cão que era muito importante para todos nós, o que maior mágoa causou foi a forma como foste destratado. Tu e nós. 
A odiosa e excessiva vertente comercial do Clínica Veterinária do Restelo, que parece existir apenas para cobrar sem que a assistência corresponda, em particular numa situação de urgência, a ausência de resposta eficaz, o total desconhecimento do veterinário que te acompanhou, que estava mais em branco e no vazio, agindo às apalpadelas para fazer o diagnóstico, do que qualquer uma de nós, o sentimento de engano permanente e sucessivo que durou horas infinitas, o confronto muito consciente da pouca importância que nestas ocasiões temos e a incapacidade de ir ao encontro da angústia que se sente perante um vazio total. Tudo foi vivido de forma desconcertante.
Como tive a oportunidade de dizer ao muito jovem veterinário que tiveste a infelicidade de conhecer, não sei se o problema foi apenas incompetência ou ignorância na forma de melhor cuidar, mas certamente que a atitude de vendedor de banha da cobra para quem tudo vale e serve com o simples objectivo de faturar umas boas centenas de euros perante a fragilidade alheia não foi a mais adequada para ninguém. Antes de chegarmos ao inferno que se revelou a Clinica Veterinária do Restelo, não sei se o enquadramento da cirurgia, supostamente bem sucedida, influenciou de alguma maneira o seguimento do teu estado. Para nós, o final da tua vida ficará envolto em incerteza e mistério, não sendo de todo claro o que aconteceu. A única coisa que é para mim clara é que me fazes falta. Uma falta indescritível, profunda, infinita. Muito verdadeira. Tu eras parte de mim e isso aquela gente não entenderá jamais porque tratarem de animais ou engraxarem sapatos é quase o mesmo. Tu eras o nosso amarelinho, o fuça, o pateta querido, o beiçolas, o Bondinho. Eras tu e isso era tudo! Fiel e dedicado, protector e companheiro, Amigo apaixonado.
Ao longo do dia, o cenário foi dantesco. Quiseram fazer-te uma transfusão quando tinhas os níveis da hemoglobina normais e não tinhas anemia… mas a ideia que me passaram foi que virias a precisar passadas duas horas; quiseram submeter-te a nova cirurgia desta vez ao abdómen porque supostamente estavas com hemorragias que podiam ser uma metástase hepática, mas não havia sangue. Quiseram saber se a hemorragia era “por cima ou por baixo”… sem que eu percebesse ao certo o que me perguntavam porque, na verdade, não havia nenhuma hemorragia… e o tempo foi passando. Não fizeste nada disso. Tinhas de ficar internado pelo menos 3 dias mas tiveste uma paragem ao fim de uma hora de eu ter saído. Precisavas de oxigénio, mas como era hora de visitas, terão retirado e iriam colocar depois de sairmos… Terás tido oxigénio em algum momento??? 
Peço desculpa, mas tenho todo o direito de questionar… de questionar tudo porque me senti ludibriada. Todas as soluções que me davam resultavam num simples aumento de custos. Com o coração como tinhas na altura, mais uma anestesia seria "fantástica" porque fulminante, mas teria de ser paga. Isto é roubo! Qualquer leigo perceberia que não tinhas nenhuma hemorragia nem condições para ser aberto. Tinhas o coração fraco mas o veterinário não questionou essa possibilidade...O coktail do dia anterior terá sido bombástico... anestesia prolongada e medicação em doses cavalares. 
Não foste bem tratado porque não recebeste os cuidados que necessitavas. Por desconhecimento e falta de experiência, por simples incompetência ou desinteresse. Não sei!!! A ideia que me passaram ao telefone foi que, perante a paragem cardíaca, a Clínica Veterinária do Restelo terá feito tudo para te salvar. Pois sim, pode ser… eles podem dizer o que quiserem e bem entenderem,  mas eu vi como estavas. Ninguém me contou. Cães monitorizados naquela sala???? É uma mentira pegada. Nenhum estava!… Eu vi…! Uma vergonha, numa clínica veterinária onde os cuidados são pagos a peso de ouro, onde se faz uma ecografia abdominal e um raio-x, mas não um electrocardiograma quando o coração estava a fraquejar? Onde se fazem análises de sangue a N coisas, mas não às funções cardíacas para despistar enfartes. Provavelmente foi o que tiveste. Quando o veterinário foi confrontado pela minha irmã que é médica, limitou-se a anuir, mas antes não colocou esta hipótese. Se neste processo não houve má fé, certamente houve incompetência.
Não, não estou satisfeita e não poderia estar quando me fazem quatro orçamentos diferentes ao longo do tempo em que ali estive, paguei um balúrdio e partiste. Nesta altura acredito que foi o melhor para ti, paraste de sofrer e estarás certamente num lugar melhor. Mas foi tão duro sentir que te perdia e que estava impotente para o que quer que fosse. Como poderia estar satisfeita? E a comunicação por telefone foi nestes termos: “É a dona do Bond? Ah… Olá, está boa? Pois não tenho boas notícias para si, o nosso amigo teve uma paragem, eu fiz tudo o que era possível para o reanimar mas ele não resistiu”. Como é????? “Ah… Olá, está boa?” para me dar a notícia da tua morte???? Não estava boa, não, e depois da conversa com ele menos fiquei, como deve ser óbvio para alguém que tem dois dedos de testa e sabe pensar com sensibilidade. O “nosso amigo”???? – será que não tem noção??? Não, não tem! Amigo é o que cuida, o que conhece, o que se dedica, o que não abandona! E aquela figura de bata verde passeou-se durante todo o tempo com um frasco de sangue supostamente teu, mas não cuidou de ti. Não foi teu amigo!
Talvez fosse a hora de partires, talvez não fosse possível estares mais tempo comigo e só posso agradecer pela oportunidade que tive de usufruir da tua alegria e amizade, da tua nobreza porque para mim, e para quem te tratou bem, foste um Amigo. Grande. Enorme. Com uma grandeza e nobreza tão grandes como muitos humanos não têm. Mas os funcionários desta Clínica não sabem o que são amigos e não sabem cuidar de animais, não são sensíveis e aproveitam a fragilidade dos donos para extorquir dinheiro porque é o que se faz ali. Aquela clínica existe para fazer dinheiro e é muito triste perceber que o dono é o bastonário da Ordem dos Veterinários. Pois não lhe fica bem nada disto!

Estou triste porque partiste fisicamente e a tua companhia faz-me falta, é certo, mas a mágoa que sinto é inenarrável, apenas porque neste processo ninguém te soube tratar, a minha sensação de impotência foi enorme. Infelizmente, os meus piores receios confirmaram-se – entraste mal, não tiveste o acompanhamento necessário e já não saíste. Este sentimento vai demorar a passar. Mas, uma coisa é certa: se eu tiver de aconselhar uma clínica veterinária a alguém posso não conseguir fazê-lo, mas por certo que desaconselharei vivamente a Clínica Veterinária do Restelo, onde a transparência não existe, não há competência, nem seriedade, nem respeito. Sobretudo, não há ética.
E tu, querido Bond, estarás agora num sítio melhor e em paz.

Manual de sobrevivência em meios socialmente hostis

Presenciando cenas pela manhã bem cedo recordo uma pessoa que conheci em São Tomé e Príncipe há uma eternidade e de quem perdi o rasto há ...