terça-feira, 31 de agosto de 2004

O passado reencontrado

Olá, "tu do meu passado", ainda bem que te encontro hoje e espero que por mais um pouco. Acompanha-me nos momentos de tristeza e de solidão. Diz-me que sim, que não partes ou desapareces uma vez mais, como se nunca tivesses existido e fosses apenas mais um dos meus fantasmas, dos meus receios imaginários ou dos meus sonhos.
Sim, fica, apenas por um instante, mas fica. Até eu já não chorar... E hoje, eu choro. Muito.

Aprender

O que é viver senão aprender a sermos melhores? No dia-a-dia, num contínuo e sem paragens, quando nem tempo, capacidade ou vontade temos para aprender a crescer devagar devagarinho. As vontades ficam-se por outros ritmos e gestos que não chegam a ser mais do que simples intenções. Não vale a pena, não é suficientemente importante para... Vontades sem capacidades, insuficientes, inacabadas porque não chegam a sê-lo nunca.

Grito de cansaço

Hoje apetece-me gritar. E para não o fazer, escrevo e repesco o que escrevi em momentos de tristeza, de angústia e de desilusão.
Quem não os teve? Todos já tiveram com certeza. Mas cada vez mais sinto que esses momentos são pesados, angustiantes e prolongados.
Estou cansada... mas por favor, não me perguntem porquê...

Renovação

A renovação é um processo profundamente assustador e intimidatório.
Alguém que conheci em tempos disse-me um dia – a mudança é telúrica – não me soou nada bem, mas tenho de admitir que ele tinha razão. Terá ele mudado? Ou terá ficado assustado com a perspectiva de mudar, intimidado com os resultados possíveis e conformado ao que sempre foi?
A propósito, será possível um adulto mudar?

Agosto 2004, Lisboa

Momentos de dúvida

Se me queres e se te quero, como te quero,
Porque não podemos
Querer,
Ficar,
Estar,
Amar,
Partilhar?
Porque temos de optar pela ausência
Intolerável,
Impenetrável,
Tão dolorosa?
A resposta é uma só – não me queres!

Iniciado em STP, 9 Maio 2003 e terminado hoje...

Angustiada

Sinto a pele a queimar de novo. Não de desejo mas de angústia. Acabei de te ouvir e percebi. Uma vez mais avanças e recuas. Estou cansada, desgastada, saturada. Algum dia te vais definir e perceber o que queres? Se queres...?!

Que ele esteja bem

E, de quando em vez, tinha necessidade de ter notícias dele.
Nunca mais o quis ver ou falar-lhe directamente.
Afinal ele tinha sido o causador de um longuíssimo sofrimento,
uma ferida que, ao fim de um bom par de anos, continuava por sarar.
Mas, apesar de orgulhosamente não reconhecer,
no seu intímo gostava de saber que ele estava bem ou que ia indo.
Isso era um bom sinal.
Significava que estava vivo e que a vida se encarregava de o ir transportando,
sabe-se lá por que caminhos.
Mas ele sobrevivia às intempéries e às tempestades, aos verões tórridos,
às emoções e às desilusões desta vida.
Tal como ela. Mas à distância.
Porque em proximidade, ela nem sequer pensava.
Bastava-lhe saber que a vida continuava.
E assim inconscientemente sentia-se mais confortada.
Ela não era má pessoa, muito pelo contrário.
Apesar do transtorno afectivo que ele lhe causara, desestruturando-a, não lhe desejava mal.
Ele que seguisse o seu caminho em paz e que lhe permitisse, de quando em vez, saber dele.
Que estava bem. E ela sentia-se confortada com isso.

segunda-feira, 30 de agosto de 2004

À Noite no Passante

O Passante permanece placidamente sereno e tropical, enquanto como uma tosta mista e bebo uma coca cola, fugindo às recomendações, de que fosse sem gelo e sem limão. Mas com este calor uma coca cola sem gelo e limão saberia simplesmente a água choca açucarada, por isso que seja o que Deus quiser.
A minha frugal refeição é alegrada pela música que se vai fazendo ouvir, crioula e bem ritmada, misturando-se com o som das ondas a bater no paredão ao rebentarem.
“Yoyoyoyoyoyoyo... yoyoyááááááááá” vai-se ouvindo, intercalado por batidas quentes e apelativas, convidando para um kizomba bem colado. Mas àquela hora – do mosquito – não há pares que queiram dançar e mesmo que os houvesse, eu não dançaria. Não por não gostar mas... sei lá eu... A minha fraca experiência de vida diz-me para ser cautelosa nas escolhas e nas danças. Há quem diga que a dança é uma frustração sexual - uma tentativa de sexo com quem nunca se terá. E as danças africanas são exímias. Por isso... mesmo que me aparecesse à frente o maior dançarino do Mundo a ensinar passos novos, o sedutor mais irresistível com uma conversa desconhecida ou o amante mais prodigioso a propor-me o que mais me agrada... naquela altura, eu resistiria. Não por falta de vontade mas por medo de voltar a viver tudo outra vez. Tudo o que não foi bom...
As músicas que vou ouvindo falam da saudade sentida pelos amantes, apelando ao retorno, tal como as ondas, levando e trazendo água nova misturada com a velha, limpa e suja, sem que seja possível distingui-las, criando um mesclado de sentimentos e de colorações.
E eu... penso em ti, na forma como me entreguei, sem que o merecesses, sem que tivesses a capacidade de apreciar; na incompletude do que senti, nas emoções que ficaram por realizar; numa África tão diferente desta que se me apresenta ligeirinha, suave e adocicada, aquela que eu queria e não esta onde vim parar, por vontade própria, por medo de voltar à outra, onde tu estavas, e de te reencontrar. Vens-me ao pensamento a toda a hora. Que é de ti?
E eu, que nem gosto de coca cola, dou comigo a pensar no quanto esta bebida me soube bem – fresca e borbulhante – permitindo-me novas sensações, fazendo-me pensar na possibiliadde de renovação. Afinal já lá vai tanto tempo... e eu continuei presa a uma imagem, que já não sei mais se é real ou fictícia, mas tão negativa, que me fez tanto mal... E porquê???

Sabes o que te diria se te visse? Que venha o futuro, um futuro diferente do presente e do passado, pelo qual eu tanto anseio e que me dou ao luxo de pensar que mereço. Que me permita renascer numa nova África, esquecendo a antiga...
Na minha primeira viagem a São Tomé, 2000

O nosso ritual

Começou por ser nas noites de domingo, quando todos se recolhiam, cansados do dia de praia ou porque a moleza invadia os movimentos e o espírito não contrariava a vontade, após uma longa caminhada, que sózinhos cumpríamos o “nosso” ritual.
Sentiamo-nos bem assim. Ouviamos música, normalmente dos meus CDs, que com a minha partida herdaste, sendo as nossas faixas preferidas o She e o Honesty. E ouviamos repetidamente, sem nos cansarmos, porque qualquer uma tinha que ver connosco.
E ao som da música, nas noites quentes de domingo e para terminar o fim de semana em beleza, o ritual repetia-se - bebiamos chá e conversávamos.
Beber chá em África é uma prática magnífica. “Muito magífica mesmo”, como eu te diria acerca das coisas inesquecíveis. O chá que alimentou a ternura que surgia com um olhar, um desabafo e um sorriso. E de domingo, o ritual passou para outros dias da semana, em função da necessidade que sentiamos de uma carícia, de um abraço, de um segredo partilhado, de um miminho, de uma noite intensamente bem passada.
O ritual foi ganhando importância e fomos variando os chás em função do dia, do estado de espírito e da vontade, porque fomos também apurando os sentidos e entregando-nos, chá a chá, momento a momento, noite a noite. E assim aqueciamos as emoções.
Já era, só por si um ritual, a pergunta que, dependendo dos dias, eu ou tu faziamos – “Ofereces-me um chá?”. E o que queriamos era a voz, o reencontro do olhar quando nos sentiamos distantes, o toque intenso dos nossos dedos procurando-nos, fazendo-nos sentir presentes, o sabor quente das nossas bocas numa troca terna e envolvente, directa e profunda, doce e picante, tornando-nos únicos no Mundo.
E hoje, passadas tantas noites sem chá, sinto-te ainda presente. E tudo, por causa do ritual...

domingo, 29 de agosto de 2004

Amante experiente

Era com certezas de amante experiente que me dizias
- Sabemos como isto começou mas não sabemos como vai terminar... tudo é possível, tudo pode acontecer. Tudo, percebes?
Nunca medi bem as tuas palavras, mas hoje recordo-as sem parar. Só te posso dar razão e, se já te admirava, passei admirar-te ainda mais. O que me dizias revelava uma sabedoria adquirida pela experiência de vida que quase só os homens têm. E tu tinhas...
Agosto 2004

Lembranças da Lua Cheia

Lembras-te do luar na boca do inferno? E de como a lua estava cheia e redondinha, brilhante e colorida? Lembras-te da grande inspiração que nos levou a um ponto no céu, que só os eleitos conseguem alcançar? Lembras-te de termos dançado, ao som de uma música imaginária, passos por nós inventados, num jogo de sedução?
Atingimos um estado pleno de felicidade suprema, que nos chegou através do vento e protegida por fadas, duendes e gnomos...
Lembras-te do que sentimos e do que ouvimos? Todos os anjos, arcanjos e querubins estavam reunidos a brindar ao nosso amor e cantavam cânticos que só nós podíamos escutar.
A conjugação astral foi favorável e, depois de tantos encontros anteriores, vimo-nos com olhos de paixão desenfreada. Tão louca e tão dada... e os deuses festejaram connosco num eterno momento de felicidade conseguida. Para sempre, meu amor. E hoje, a ver a lua cheia, tão diferente daquela noite, lembro-me de ti, para sempre.
Lisboa, Agosto 2004

Quem és?

Quem és tu, que me apareces e me foges, que me queres, me recusas e te ausentas?

O Tempo em África

Enquanto lá estamos, temos a sensação que o tempo tende a parar – é quase um fait divers, mas eu senti-o, não foi ninguém que me contou. E apesar de tudo, hoje, que já lá não estou, mas tenho esperança de voltar logo que possa, parece-me que o tempo, que por lá passei, voou.
Os sentidos quedam-se na contemplação, porque tudo é um estímulo, quente, terno, doce, acolhedor e envolvente. A humidade colante reflecte-se nos corpos despidos e nas peles tórridas. O vento procura arrefecer o ambiente, “parece que vai chover... pode ser que alivie” – alguém diz, numa estranha combinação de conforto e de afrontamento e continua com um tom conhecedor e conformado, perante o desconforto dos novatos – “Faz parte, é o clima...”. E tudo a partir desta frase é explicado pelo clima. Boa justificação para qualquer manifestação dos sentidos, da mais pura à mais... extravagante.
As chuvas africanas, caracteristicamente tropicais – intensas e fugazes, como quase tudo o que se vive por lá – dão-nos a estranha sensação de quanto tudo pode ser contraditório, contrastante e temporário. Jà me tinham falado disto e já o sentira, mas noutros contextos, noutras Áfricas tão diferentes desta, e por outras razões. Mais dramáticas, confesso.
A verdade é que, nada permanece, apesar da mudança nos parecer sempre tão lenta. O tempo não passa... às vezes custa a passar... e nos dias maus então... sentimos o “leve-leve”, de forma pesada, e agravada pela dureza do clima. “A vida aqui não é fácil. Não há condições...”, acabo por constatar, com a sensação que o meu mundo não é aqui, que não pertenço a esta terra, mas que também não me sinto bem no sítio de onde vim. É estranho e contraditório. Sinto-me desenquadrada e preciso que me ajudem. Peço mas... todos parecem sorrir com o meu desacerto. Sinto a vida num rompante, a passar passando, devagar devagarinho.
À minha frente, no Passante – local de grande inspiração para a escrita – o mar verde, azul, cinzento, em função do tempo e dos estados de alma de quem o vê, denso e intenso, permanente na passagem, num ir e vir constante e renovado. Talvez por isso goste tanto deste sítio. O mar é como os meus olhos, muda de cor mas a intensidade permanece.
Esta é a melhor imagem que, algum dia, consegui ter, do ser, do estar e do ficar, saindo e passando.
STP, Dezembro 2001

sábado, 28 de agosto de 2004

Querer

Deixa ir, deixa estar, deixa ser... DEIXA!
Ficar e permancer, esquecer por querer. O princípio e o fim num só, como forças desiguais e desigualmente semelhantes.
Amo-te, quero-te, desejo-te. O teu corpo, a tua pele, o teu ser, tudo num só.
Angustias-me. Não te quero mais. Fazes-me mal. Sai. Quero ser eu sem ti, porque tu não me deixas ser como eu quero.
Quem se ama deixa-se ir, quando não nos quer. Não se prende e não se força.
Se um dia voltares a querer e, se eu ainda te quiser, voltaremos de novo a querer-nos.
Agosto 2004

sexta-feira, 27 de agosto de 2004

Mais um romance em África

Mais uma vez os envolvimentos rápidos e fugidios, as paixões desiguais, os sentidos à flor da pele e as emoções a despertar. Mais uma história de encantar que vai terminar em desencanto pela inconsequência dos actos, inconstância das vontades e inconsistência do argumento.
Mais incertezas e dúvidas, medos e inseguranças que se confundem com a vontade de não falhar uma vez mais e de perder. Medo de ouvir e de falar. Estou exausta de tentar, cansada de amar sem partilhar, de dar sem ter entrega. Valerá a pena?
Sinto, uma vez mais, as contradições infinitas do romance em África, numa terra de ninguém, que não é minha hoje, nem será nunca. Tal como os amores que aqui vivo, numa tentativa imparável de me acertar.
Dezembro 2001

Protecções

Um dia, na praia dos Tamarinos, praia levemente tropical, fazendo lembrar ambientes desertos, onde se pode andar nu sem nos darmos conta de estarmos a ser observados, e apesar de obviamente estarmos, dei comigo a pensar. As roupas não são mais do que protecções convencionais, que nos tornam menos vulneráveis e expostos e mais seguros. As variações das roupas que usamos, a forma como combinamos as peças, as cores, os tecidos e os padrões levam-nos a criar nos outros sensações e emoções, mantendo-nos protegidos dos impulsos alheios. E eu que gosto de fazer nudismo, apenas em praias desertas e sem assistência, cheguei naquele dia a uma conclusão - as roupas são absolutamente magníficas, porque sendo escudos protectores, funcionam ao mesmo tempo como instrumentos de sedução infalíveis. Sem qualquer peça de vestuário, algumas pessoas não seriam nada, porque quando as vemos nuas, perdem qualquer graça que lhes poderiamos ter encontrado quando as vimos compostas e arranjadas.

Moça dos olhos tristes

- Moça dos olhos tristes e profundos, encantaste-me e seduziste-me só com o teu olhar. Um olhar: contido, terno e doce, a oferecer-me infinitos mundos que eu quero descobrir; reservado e indiciador de sofrimentos, que nunca conseguiste ultrapassar e sobre os quais tens tanto receio em falar; tão sedutor que consigo ver a amante fogoza que és por trás da tua timidez.
- Porque me chamas moça, quando tenho nome? Diz o meu nome ou nem o sabes sequer? Tens medo de te enganar...?
- Que mágoas passadas, presentes e futuras esconde esse tom indefinido. Que mistérios têm a revelar o verde distante, o cinzento tristonho e o meigo acastanhado? Porque mudam de cor os teus olhos que me seduzem por serem tão diferentes mas tão belos? Porque és tão insegura de ti, se és tão doce e tens uns olhos para os quais tenho até medo de olhar, porque me posso afundar neles e não voltar a aprender a nadar?
- Porque... olha, por não me tratares pelo nome e me continuares a chamar moça, como a uma outra qualquer que passou pela tua vida antes de mim ou que venha a seguir. Porque são tantas que não sabes o nome de nenhuma, mas isso também nem é importante. Não é mais possível acreditar no que me dizes. Porque também eu tenho medo de me perder, nas tuas palavras doces e no teu toque macio, nos teus braços fortes quando me abraças e na tua envolvência, e não me conseguir encontrar. Porque não posso e porque não quero. Porque o sofrimento que vem será com certeza maior do que o imenso prazer que me dás.
- Mas o que é mais importante? Ser fiel ou ser leal? Já pensaste que fiéis são os cães? Os homens são leais. A si, a sentimentos, a valores e aos outros. A vida é uma aprendizagem feita de momentos e a inteligência está em vivê-los bem, na busca da felicidade.
-
Sim, eu tenho um cão e gosto de pensar que um homem tem mais qualidades do que o meu cão, que é, como dizes, apenas fiel. O homem com quem eu quero estar tem de ser leal e fiel. Aos sentimentos que tem por mim".
- "Não olhes para mim com esses olhos...

- Porquê? O que têm os meus olhos?
- Tu sabes... não lhes resito.

E assim ficaram, olhos nos olhos, dentro da água morna dos trópicos, e com a intensidade do pôr do sol ao longe, no horizonte, pensando ele no que fazer para continuar a seduzi-la e ela na tristeza que se avizinhava após a deliciosa sedução.

Agosto 2004

She, cantaria Elvis Costello

She may be the face I can't forget
The trace of pleasure or regret
Maybe my treasure or the price I have to pay
She may be the song that summer sings
May be the chill that autumn brings
May be a hundred different things Within the measure of a day
She may be the beauty or the beast
May be the famine or the feast
May turn each day into a Heaven or a Hell
She may be the mirror of my dreams
A smile reflected in a stream
She may not be what she may seem Inside her shell....
She, who always seems so happy in a crowd
Whose eyes can be so private and so proud
No one's allowed to see them when they cry
She maybe the love that cannot hope to last
May come to me from shadows in the past
That I remember 'till the day I die
She maybe the reason I survive
The why and wherefore I'm alive
The one I care for through the rough and ready years Me,
I'll take the laughter and her tears
And make them all my souvenirs
For where she goes I've got to be
The meaning of my life is She



quinta-feira, 26 de agosto de 2004

Sentimentos

Sentimentos ligeiros que se avolumam e que ganham consistência, solidificando-se. Sentimentos bons, ternos, escaldantes. Ligações que fluem e que se aprofundam. Vontade de querer, de ter, de pertencer, de ser. Medo de te perder. Angústia da incerteza.
Sentimentos difusos, numa teia confusa e de difícil leitura. Ligações complexas e impenetráveis.
Gostar infinitamente, amar com infinitas certezas. Uma busca de certezas no meio de dúvidas permanentes e constantes. Sentimentos entrelaçados numa rede indecifrável...
Março 2003

Amei

Amei a terra e as pessoas, mas sobretudo amei-te a ti, como nunca tinha amado.
Hoje não te podendo continuar a amar, contento-me a amar as tuas ternas recordações. Doces de desejo e de vontade. Do companheiro que quiseste e soubeste ser, do amante incansável e insaciável, do amigo em quem quis confiar os meus segredos e uma grande parte de mim.

E lembro-me do resto, o menos bom. O desacerto e o afastamento. Sem razão, pelo menos para mim, que nunca percebi o porquê.
Junho 2003

quarta-feira, 25 de agosto de 2004

Como?

Lembrando-me de ti, pergunto-te - Como poderia esquecer e perdoar?

Rosa Louca

A diversidade florística do arquipélago de São Tomé e Príncipe sempre me fascinou. Encontrei plantas com dimensões e formas como nunca tinha visto antes, flores exóticas de uma beleza infinita, que conferem à paisagem particularidades únicas, permitindo desfrutar de uma visão multicolorida. Pela beleza exótica, as flores de São Tomé são verdadeiros “cartões de visita” para o turista estrangeiro.
Dadas as características climatéricas e geográficas, a flora santomense é abundante e rica em biodiversidade, tendo as flores formas diferenciadas, cores apelativas e nomes que traduzem a sua especificidade: rosas de porcelana, vermelha e rosa; bordão macaco; bicos de papagaio, macho e fêmea; hibiscus; begónias; orquídeas,... Algumas foram-se tornando conhecidas, por existirem noutras regiões, porque chegavam à Europa pelas mais variadas formas, mas sobretudo por terem adquirido, com o tempo, estatuto de símbolo nacional.
Após várias viagens ao arquipélago, fui-me familiarizando com as mais conhecidas e, sempre que me foi possível, comprei ramos para alegrar a casa onde vivi em São Tomé, para oferecer aos amigos ou para trazer para a minha família. Flores de uma beleza impossível de descrever e que iam deslumbrando todos os que as tinham a possibilidade de as ver.
Mas a verdade é que, enquanto socióloga, sempre me preocupei mais com as questões sociais e humanas em África e, devo confessar que, os meus conhecimentos sobre a flora sempre foram muito limitados. Gosto de flores - de as ver, de as ter e de as receber, aliás como qualquer outra mulher, porque são um sinal de dedicação, de sensibilidade e de fragilidade. Mas os nomes científicos, as particularidades de cada uma, o significado das cores, as doenças que podem ter, a melhor altura para serem plantadas ou a época de florescerem... são noções que nunca fizeram parte das minhas preocupações mais imediatas.
A minha curiosidade aumentou quando, numa das inúmeras noites de longa e deliciosa conversa, na envolvência do calor santomense, e enquanto cumpríamos o ritual do chá de menta, um amigo me perguntou se já tinha visto as “rosas loucas”, tornadas famosas no “Equador” pelo Miguel Sousa Tavares (2003, Lisboa, Oficina do Livro). A minha perplexidade foi total. Tantas e tantas vezes já tinha estado em São Tomé e nunca tinha ouvido falar em tal planta.
Na altura, o meu amigo, que estava a ler o livro, falou-me com algum pormenor sobre essas plantas tão diferentes, espicaçando a minha infinita curiosidade, e sabendo que o fazia. Como ele, de quando em vez falava, meio em tom de brincadeira sobre alguns efeitos ambientais e climatéricos nos estados de alma humanos, honestamente duvidei e ri, aliás como quase sempre fazia.
Aparentemente não levei a história muito a sério. Mas, tenho de confessar que fui ler o livro a correr e lá estavam elas descritas, mais do que uma vez, de forma aliciante e sedutora, apelando, com sucesso, para os sentidos do leitor - flores diferentes, que mudam de cor ao longo do dia e, que emanam um cheiro intenso.
Aquando do lançamento, o “Equador” passou a ser um ponto de referência, nas conversas de todos os que estavam em São Tomé ou que por lá tinham passado, pela cativante e leve forma de escrita, pelo enredo, pela envolvência que o romance permite ao leitor, pela actualidade das situações descritas, apesar da época histórica ser já distante. Mas também porque foram poucos os que disseram, na altura, conhecer a famosa “rosa louca” e, na verdade, todos ficaram com curiosidade de a ver e de confirmar o seu carácter inconstante porque mutante.
As “rosas loucas” não são conhecidas por esta denominação. O nome científico é Hibiscus Mutabilis, podendo também ser referidas por Dixie Rosemallow, Cotton Rose ou Confederate Rose. É uma flor originária do sul da China, que pertence à família das Malvaceæ, ao género dos Hibiscus e à espécie Mutabilis (esta saiu-me bem... mas é um dado conhecido).
É uma planta arbustiva, de natureza perene, que pode adquirir dimensões de uma pequena árvore (até 2,5 metros). As flores têm entre 10 e 15 cm de diâmetro, e têm a particularidade das pétalas mudarem três vezes de coloração ao longo do dia – nascem brancas ou rosa claro, passam a rosa aberto à tarde, tornando-se à noite vermelhas escuras ou de cor púrpura. A característica mais notável e particular é o facto das três cores poderem aparecer em simultâneo, e do ciclo das flores da mesma ramificação poder ser diferenciado.
Estas são plantas procuradas internacionalmente por requererem poucos cuidados, adaptando-se à maioria dos solos e das condições climatéricas, o que lhes confere uma característica de “tolerância”.
Apesar de não serem as flores mais conhecidas de São Tomé, e de até poderem ser encontradas noutros locais, a descrição das “rosas loucas” apela para o imaginário construído e para a sedução dos sentidos, tão bem traduzida pelo “Equador”. São diferentes das outras flores e distinguem-se pela característica da mutabilidade da coloração das pétalas, o que transmite uma imagem de invulgaridade. São flores de uma beleza única. A mudança de cor, num curto período de tempo, é um fenómeno absolutamente fabuloso para os sentidos do observador e para quem tem a possibilidade de registar fotograficamente as diferenças e a evolução do fenómeno.
Apesar de ser um processo natural neste tipo de flores, a qualificação que lhe foi atribuída remete para a loucura, relacionando a mudança de cor com a fragilidade e a sensibilidade extremas face a factores contextuais, tais como a luminosidade, a humidade ou a temperatura. Por analogia ao feitio de algumas pessoas que varia, marcado pela incerteza e pela instabilidade, também a alteração na coloração das “rosas loucas” confere um traço de mutação permanente ao seu aspecto.

Partes

Desta vez, és tu quem parte e partindo levas um pouco de mim. Sem te dares conta, sem perceberes e sem quereres.
Partes porque queres e precisas. Deixas-me, querendo-te e desejando-te. Criaste o desejo em mim, sem o esgotares. Sinto que me queres e que desejas sem quereres.
ST Dezembro 2003

Tu

Sinto-te perdido em mim,
esgotado, ausente.
Entregue sem quereres,
consciente de não poderes.
Queres-me e quero-te,
desejamo-nos longa e ternamente,
sem sabermos como ou explicar o porquê.
Não podes e não devo,
mas,
vamo-nos perdendo, encontrando e recriando
momentos partilhados.
Queres-me e negas-me,
negando a ti próprio os sentimentos fortes e inabaláveis.
Recusas a entrega já feita,
foges e evitas-me, resolvendo com a incerteza e a dúvida o mais certo do teu sentir.
E reduzes o risco. Não de te dares a alguém.
Mas de te entregares a mim, sentindo-me entregue também.
Como tantas e tantas vezes aconteceu...
E tu ficas em mim, para sempre. O que não sei se é bom...
ST, Outubro 2003

Encontros em África

A África dos encontros e dos desencontros; das semelhanças e das diferenças; das buscas que nunca se chegam a encontrar e dos desencontros que nunca se chegam a cruzar; do que encontramos sem termos procurado e do que procuramos sem nunca chegarmos a encontrar.
Em Maputo 1999, retomado em ST 2003

MEDO

de avançar e de parar; de partir e de ficar.
Sentimentos e sensações que se opõem, contradizendo-nos. O que dizemos, o que fazemos, o que queremos e o que não podemos.
É do clima, pensamos, ou será de nós mesmos, não admitimos. Porque não podemos e não queremos.
A dúvida e a incerteza traduzem a contradição do que somos. E de como vivemos. Do que fomos e de como seremos, num futuro tão incerto.
Maputo, Janeiro de 1999

Chove

Chove como nunca até aqui. Tenho a sensação que a terra está triste com a minha partida, teimando em não me deixar sair do mesmo sítio. E eu adapto-me ao tempo: vou-me deixando ficar, sem oferecer resistência. Porque também eu não quero partir de um local tão diferente, onde me sinto tão bem...
ST, 25/09/2000

Intimidades

Marcaste-me por uma presença inconstante, mas deliciosamente presente.
Pelo gosto partilhado de estarmos juntos, ternamente aquecidos por um olhar apenas, por um toque de pele e pela fricção dos sentidos.
Marcámo-nos e distinguimo-nos, pela diferença da presença, pela companhia terna, doce, reconfortante e inexplicavelmente calmante.
Foi tudo e nada mais será.
Fomos tudo num breve momento de eternidade.
De tudo tivemos porque tudo merecemos... e porque tudo procurámos.
O prazer reencontrado e partilhado, a angústia da despedida e da perda, da ausência necessária e obrigatoriamente vivida porque forçada.
Contra o desejo. Contra a vontade.
Quis-te e quero-te ainda. Sempre te quererei, sabendo que não posso querer-te. Nem que fosse apenas por mais um milésimo de segundo. Só para aspirar de novo o teu perfume, sentir a maciez aveludada da tua pele e o teu sabor, ao mesmo tempo, doce e picante.
Nunca mais...
ST, 16/05/2003

Licor de Jaca

- Lembras-te do magnífico licor de jaca? - perguntavas-me com um sorriso matreiro.
- Hmmm... só de pensar... - e as lembranças de mais uma noite inesquecível inundavam-me o pensamento.
- Aquele que, inexplicavelmente, tinha poderes amnsésicos... fazia com que acordássemos na manhã seguinte com a sensação de nos ter acontecido algo de muito maravilhoso, apesar de não sabermos dizer exactamente o que foi... - rematavas com uma risada aberta
E como eu me lembro ainda. Aquela varanda tranquila e absolutamente inspiradora sobre a baía de Angolares e a floresta do Obô, permitindo que os sentimentos mais puros e verdadeiros fossem exteriorizados e consentidos.
Porque as emoções essas ficam eternizadas na memória de quem as viveu, num mundo onde tudo de bom foi possível. O impossível seria viver com mais intensidade e entrega.
Lisboa, Agosto 2004

terça-feira, 24 de agosto de 2004

África

África:
dos encontros, dos desencontros e dos reencontros;
dos sentidos e das emoções;
das paixões e das contradições.
África:
dos amantes ardentes e dos amores fugazes;
dos sonhos vágos e por realizar;
da esperança tornada impossibilidade.
África:
do desejo recriado;
da vontade alimentada;
das recordações revividas... dia após dia.
(A Ti) ST, Janeiro 2004

Manual de sobrevivência em meios socialmente hostis

Presenciando cenas pela manhã bem cedo recordo uma pessoa que conheci em São Tomé e Príncipe há uma eternidade e de quem perdi o rasto há ...