quarta-feira, 25 de agosto de 2004

Rosa Louca

A diversidade florística do arquipélago de São Tomé e Príncipe sempre me fascinou. Encontrei plantas com dimensões e formas como nunca tinha visto antes, flores exóticas de uma beleza infinita, que conferem à paisagem particularidades únicas, permitindo desfrutar de uma visão multicolorida. Pela beleza exótica, as flores de São Tomé são verdadeiros “cartões de visita” para o turista estrangeiro.
Dadas as características climatéricas e geográficas, a flora santomense é abundante e rica em biodiversidade, tendo as flores formas diferenciadas, cores apelativas e nomes que traduzem a sua especificidade: rosas de porcelana, vermelha e rosa; bordão macaco; bicos de papagaio, macho e fêmea; hibiscus; begónias; orquídeas,... Algumas foram-se tornando conhecidas, por existirem noutras regiões, porque chegavam à Europa pelas mais variadas formas, mas sobretudo por terem adquirido, com o tempo, estatuto de símbolo nacional.
Após várias viagens ao arquipélago, fui-me familiarizando com as mais conhecidas e, sempre que me foi possível, comprei ramos para alegrar a casa onde vivi em São Tomé, para oferecer aos amigos ou para trazer para a minha família. Flores de uma beleza impossível de descrever e que iam deslumbrando todos os que as tinham a possibilidade de as ver.
Mas a verdade é que, enquanto socióloga, sempre me preocupei mais com as questões sociais e humanas em África e, devo confessar que, os meus conhecimentos sobre a flora sempre foram muito limitados. Gosto de flores - de as ver, de as ter e de as receber, aliás como qualquer outra mulher, porque são um sinal de dedicação, de sensibilidade e de fragilidade. Mas os nomes científicos, as particularidades de cada uma, o significado das cores, as doenças que podem ter, a melhor altura para serem plantadas ou a época de florescerem... são noções que nunca fizeram parte das minhas preocupações mais imediatas.
A minha curiosidade aumentou quando, numa das inúmeras noites de longa e deliciosa conversa, na envolvência do calor santomense, e enquanto cumpríamos o ritual do chá de menta, um amigo me perguntou se já tinha visto as “rosas loucas”, tornadas famosas no “Equador” pelo Miguel Sousa Tavares (2003, Lisboa, Oficina do Livro). A minha perplexidade foi total. Tantas e tantas vezes já tinha estado em São Tomé e nunca tinha ouvido falar em tal planta.
Na altura, o meu amigo, que estava a ler o livro, falou-me com algum pormenor sobre essas plantas tão diferentes, espicaçando a minha infinita curiosidade, e sabendo que o fazia. Como ele, de quando em vez falava, meio em tom de brincadeira sobre alguns efeitos ambientais e climatéricos nos estados de alma humanos, honestamente duvidei e ri, aliás como quase sempre fazia.
Aparentemente não levei a história muito a sério. Mas, tenho de confessar que fui ler o livro a correr e lá estavam elas descritas, mais do que uma vez, de forma aliciante e sedutora, apelando, com sucesso, para os sentidos do leitor - flores diferentes, que mudam de cor ao longo do dia e, que emanam um cheiro intenso.
Aquando do lançamento, o “Equador” passou a ser um ponto de referência, nas conversas de todos os que estavam em São Tomé ou que por lá tinham passado, pela cativante e leve forma de escrita, pelo enredo, pela envolvência que o romance permite ao leitor, pela actualidade das situações descritas, apesar da época histórica ser já distante. Mas também porque foram poucos os que disseram, na altura, conhecer a famosa “rosa louca” e, na verdade, todos ficaram com curiosidade de a ver e de confirmar o seu carácter inconstante porque mutante.
As “rosas loucas” não são conhecidas por esta denominação. O nome científico é Hibiscus Mutabilis, podendo também ser referidas por Dixie Rosemallow, Cotton Rose ou Confederate Rose. É uma flor originária do sul da China, que pertence à família das Malvaceæ, ao género dos Hibiscus e à espécie Mutabilis (esta saiu-me bem... mas é um dado conhecido).
É uma planta arbustiva, de natureza perene, que pode adquirir dimensões de uma pequena árvore (até 2,5 metros). As flores têm entre 10 e 15 cm de diâmetro, e têm a particularidade das pétalas mudarem três vezes de coloração ao longo do dia – nascem brancas ou rosa claro, passam a rosa aberto à tarde, tornando-se à noite vermelhas escuras ou de cor púrpura. A característica mais notável e particular é o facto das três cores poderem aparecer em simultâneo, e do ciclo das flores da mesma ramificação poder ser diferenciado.
Estas são plantas procuradas internacionalmente por requererem poucos cuidados, adaptando-se à maioria dos solos e das condições climatéricas, o que lhes confere uma característica de “tolerância”.
Apesar de não serem as flores mais conhecidas de São Tomé, e de até poderem ser encontradas noutros locais, a descrição das “rosas loucas” apela para o imaginário construído e para a sedução dos sentidos, tão bem traduzida pelo “Equador”. São diferentes das outras flores e distinguem-se pela característica da mutabilidade da coloração das pétalas, o que transmite uma imagem de invulgaridade. São flores de uma beleza única. A mudança de cor, num curto período de tempo, é um fenómeno absolutamente fabuloso para os sentidos do observador e para quem tem a possibilidade de registar fotograficamente as diferenças e a evolução do fenómeno.
Apesar de ser um processo natural neste tipo de flores, a qualificação que lhe foi atribuída remete para a loucura, relacionando a mudança de cor com a fragilidade e a sensibilidade extremas face a factores contextuais, tais como a luminosidade, a humidade ou a temperatura. Por analogia ao feitio de algumas pessoas que varia, marcado pela incerteza e pela instabilidade, também a alteração na coloração das “rosas loucas” confere um traço de mutação permanente ao seu aspecto.

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