Para quem gosta de escrever uma
caneta é a extensão de si próprio e um caderno o seu reflexo. São objectos
especiais e, por isso, tratados com infinito e profundo carinho. Quando, num
acto de boa vontade, emprestamos a nossa extensão e, por distração ou confiança
excessiva, a perdemos de vista e para sempre, sentimo-nos devastados pelo
sentimento de perda, ficamos sem rumo, desasados, a flutuar em suspensão como
se, de repente, caíssemos em queda livre.
A caneta partilhou momentos
únicos e foi através dela que os sentimentos mais escondidos ganharam vida, as
sensações e as primeiras impressões foram traduzidas naquelas páginas em branco
dando-lhes forma e sentido. Apenas os que gostam verdadeiramente de escrever
compreenderão este desassossego de alma.
A relação que se estabelece com
uma caneta é de grande proximidade, cumplicidade até, por isso é escolhida com
grande critério. Como em tudo nesta vida, também no que toca às canetas, não
serve qualquer uma, precisa de ser leve e de toque ligeiro porque só ela sabe
como tornear um éle ou um ésse, ou como fechar um ó tornando a letra ora arredondada,
ora recortada mas direita, fluída e sem emendas.
Escrever é bom, terapêutico,
reconfortante e com a caneta ideal melhor ainda. Fico desorientada quando alguém,
sem pedir, pega na minha caneta e a leva, supostamente, emprestada para dar uma
voltinha sem a devolver de seguida. É uma falta de respeito e de consideração.
Raptam a minha caneta, que nem gritar consegue, e quando se fartam da sua
companhia descartam-na para um qualquer caixote de lixo qualquer. Roubaram-me a
última, uma Pilot recarregável, que tinha uma escrita fabulosa – leve, fina,
imitando a tinta permanente sem ser de aparo e com escrita de roller-ball. Era
de tal forma fantástica que a levaram sem aviso ou agradecimento. Fiquei com
duas cargas para recordação.
Há uns dias regressei ao local
onde a comprei, mas a nova remessa só chegará com a rentrée da escola. A
solução para o meu vazio foi comprar uma outra que pudesse corresponder às
minhas imensas expectativas. Não podia ser dura nem ter escrita difícil, nem eu
poderia vê-la apenas como um instrumento com uma função a cumprir por
obrigação. Afinal, trata-se da minha extensão, pelo que tem de ser objecto da
minha atenção e cuidado. E acabei por comprar uma de aparo linda e inspiradora.
Nem eu própria imagino o que será capaz de escrever…