Quanto mais o tempo passa maior força ganham as memórias. O
sol, sobretudo na hora do nascer e do ocaso; as cores, a densidade do verde, a
imensidão do azul, o contraste das tonalidades que reforçam a dimensão das
paisagens; os cheiros, a intensidade do odor da terra húmida mesclada com o da
fruta madura e o das flores a desabrochar. E as pessoas, sempre próximas, sorridentes, simples, receptivas, disponíveis, sem exigências ou cobranças, tão perto da
imagem da felicidade livre e desapegada. Sempre sonhei com este cenário
composto por diferentes elementos que se conjugam numa harmonia equilibrada a
tocar a perfeição.
Nas alturas mais desgastantes e sempre que sinto necessidade
de me eclipsar e me tornar invisível - o que, reconheço, acontece de vez em
quando, nem que seja por um milésimo de segundo - revisito os momentos que
ficaram registados no back up da
minha memória virtual e recupero a sucessão dos episódios mais felizes, ou dos que não sendo completamente felizes se revelaram divertidos e me fazem sorrir. E, sem ter consciência da figura que faço nestas ocasiões, com alguma frequência sou despertada por uma
interpelação surpreendida, habitualmente em tom de desagrado, que me obriga a perceber que afinal não me tornei invisível... Alguém que naquela altura está perto de mim, observa a minha estratégia de fuga e simplesmente não compreende o meu comportamento e demonstra-o como se isso alterasse o que sinto e o que mais me apetece fazer. Percebo que durante a fracção de segundos em que me refugiei
nas lembranças recuperadas pelas fotografias virtuais da minha memória, mantive no rosto uma expressão difícil de explicar, muito mais difícil quando o sorriso espelhado passa a breves e esporádicos risos, mesmo não chegando à gargalhada. Além deste sorriso projectado para o vazio da
realidade presente e que quase todos qualificam como "estranho" e
"vago"... o olhar distancia-se como se o meu inconsciente quisesse
viajar e a velocidade da luz fosse o melhor meio de transporte.