Caminhar na rua e ouvir conversas alheias é uma actividade
que distrai. Bem sei que pouco, ou mesmo nada, tenho a ver com a vida dos
outros mas, em boa verdade, se os visados quisessem manter segredo não falavam
de forma a que as outras pessoas, como é o meu caso, ouvissem. Enquanto
caminhava apressada pela rua por estar atrasada para uma reunião acabei por
pensar no quanto é estranho o mundo social dos afectos. Por mais que se confie
em alguém para um desabafo há sempre forma de outros saberem os meandros da
vida. Todos acabam por comentar os desassossegos de uns e de outros com um tom
crítico como se estivessem imunes a situações semelhantes. Nunca se está
verdadeiramente resguardado - pensei - a não ser que nos fechemos numa concha e
não partilhemos com ninguém o que sentimos em determinado momento. Mas o mais
engraçado é que, por vezes, é possível ligar conversas e cruzá-las. No meu
caminho encontrei um primeiro grupo sentado numa esplanada que conversava sobre
a vida de um qualquer rapaz ausente da mesa:
- Ele era mesmo muito inseguro na relação, desconfiava de
tudo e muitas vezes sem motivo - dizia um dos três com ar entendido.
Continuei a descer a rua e chegando ao Marquês de Pombal
passei por uma paragem de autocarro onde estavam duas raparigas também em íntima
conversa:
- Não estás bem a ver as cenas que ele me fazia. Ciumento
até mais não. Despachei-o.
Dei comigo a pensar: mas será coincidência temática ou o grupo
sentado na esplanada e estas duas raparigas da paragem de autocarro falam da
mesma pessoa? Jamais conseguirei descortinar o fundo das duas histórias e muito
menos se têm ligação mas depois de ter escutado não pude deixar de as
relacionar. As inseguranças fazem parte da vida afectiva e só não as sentem
quem não se sente verdadeiramente ligado.