Sou uma ouvinte regular da RDPÁfrica. Normalmente não escolho os programas porque gosto de ouvir de tudo um pouco, com excepção do desporto que me cansa por não perceber quase nada. Gosto das músicas que passam porque, além da sonoridade ser muito agradável, têm o mérito de me fazer regressar ao ambiente morno, terno e aconchegante que conheci em África. Gosto da possibilidade de descobrir novos ritmos através da orientação dos conhecedores porque me ajudam a aprender a distinguir as origens. Gosto de ouvir as notícias, mesmo da África que não fala português, apesar de ter o ouvido mais treinado sempre que o tema ou o país me é mais familiar. E gosto das reflexões que alguns locutores proporcionam, levando para o ar temas sensíveis e socialmente importantes.
Já aqui referi o quanto me fez bem ouvir um programa do JP Martins e as opiniões de alguns ouvintes através das entrevistas realizadas. Hoje o programa tem andado à volta do tema da solidão. Importante, cada vez mais fundamental, sobretudo porque evidenciado de forma muito particular nas sociedades urbanas, muitas vezes com consequências gravíssimas tanto do ponto de vista pessoal como social. Acabei de ouvir a reflexão inicial do locutor e começaram as entrevistas, em que o objectivo era recolher opiniões e partilhar experiências pessoais, tanto de quem sente, ou já sentiu directamente os sintomas da solidão, como de outras pessoas que apoiaram ou não os que sentem solidão a ultrapassar o problema.
Eis senão quando, aparece um ouvinte que me fez mudar de posto. Por um lado, se aparentou simpatia inicial e boa disposição, à medida que o tema foi sendo abordado passou a irritante e tornou-se insuportável. Exteriorizou uma auto-estima de tal forma elevada que soava a falso, porque não há ninguém que seja tão insensível aos problemas alheios, considerando-se acima de qualquer sintoma ou problema. Solidão? Isso é bom para os outros porque “é um modo de vida, há que goste de viver em solidão”. Por outro lado, ajudar?, nem pensar... só vale a pena ajudar quem pede ajuda, com os outros não vale a pena perder tempo porque sentem-se bem assim e não quereriam o nosso apoio, seria um esforço desnecessário. Por fim palavreou tanto que começou a sair asneirada da grossa, até o locutor o chamar a atenção, de forma muito mais subtil do que eu faria, para que “abrandasse o ritmo”.
Mas será que este indivíduo não entende que: a distância entre o estar bem e o não estar é tão curta que ele próprio se arrisca a entrar na escura e misteriosa área da solidão muito mais rapidamente do que poderia algum dia imaginar; a solidão não é nenhum modo de vida e muito menos uma opção, porque há uma infinita diferença entre “viver em solidão” e o “ser-se solitário”; a responsabilidade social de alguém “viver em solidão” é de todos e não de um indivíduo em particular, apesar de ser normalmente despoletada por uma situação concreta; infelizmente, todos nós já nos confrontámos com o problema da solidão, mesmo indirectamente e sem sermos nós a senti-lo, já tivemos a noção de impotência no que respeita à ajuda, já tentámos umas vezes, e noutras alturas não. E nestas ocasiões já nos sentimos desiludidos connosco próprios, irritados, arrependidos. E quem não reconhecer que isto se passa, deixe-me que lhe diga, é porque vive completamente descontextualizado do resto do Mundo. E essa atitude reflecte uma grande infelicidade porque é o caminho mais certo para a solidão.