Naquela manhã, tal como em todas desde que regressara a casa, acordou com umas terríveis dores nas mãos: os ossos começavam a deformar-se e só lhe apetecia gritar para libertar a angústia e o desconsolo que sentia. Não era só a dor física que a assustava mas também a possibilidade de ter umas mãos, das quais sempre se orgulhara por serem magras com dedos compridos, precocemente deformadas.
Mas por defeito ou feitio, vá-se lá saber, permanecia calada e só se queixava quando as dores ultrapassavam o seu limite. Aprendeu a chorar para dentro de si mesma e se tivessem inventado uma máquina para medir a humidade humana, ela avariaria a dita porque no seu interior corria um dilúvio. Quem a visse não perceberia, a não ser que olhasse os seus olhos bem no fundo. Eram naturalmente humedecidos de tanto chorar para si mesma. Era raro as lágrimas verterem para fora das pálpebras porque aprendera a guardá-las. "Há coisas que devem ficar onde nascem e connosco", pensava. Os olhos tinham uma cor difícil de definir porque tanto pareciam castanhos claros como verdes, tendo dias em que estavam acinzentados. Dependia do quanto ela chorava.
Sentia-se cansada destes pequenos males que vinha a sentir, um após outro, sem ser nada de particularmente grave mas que lhe povocavam sofrimento.
Mas também estava cansada da vida que tinha, da impossibilidade de mudança, da falta de oportunidades, dos sonhos irrealizados porque tinha a mania das grandezas e sonhava sempre demasiado alto, das exigências que a vida lhe impunha com uma rotina diária pouco ou nada satisfatória. Um dia haveria de surgir uma mudança e a vida passaria a sorrir-lhe. Pelo menos queria acreditar nisso e repetia mentalmente aquela frase como se quisesse chamar os bons pronúncios, porque de agoiros já andava ela farta.