Para ser franco, e o mais sincero possível com a vida, Joaquim já não sabia o que fazer para chegar ao fim do dia com um sorriso aberto estampado no rosto, uma palavra amável ou um espírito positivo e optimista. Já tentara de tudo um pouco: andar a pé à beira do rio; encontrar um amigo que já não via há algum tempo; jantar com o grupo de sempre; ler umas páginas do último livro que adquirira; ouvir música relaxante; fazer desporto; frequentar aulas de Yoga e de relaxamento; comer um gelado ou sentar-se num jardim a contemplar as flores e a escutar os pássaros.
Nos dias em que alterava a rotina, introduzindo um não sei quê de diferente, parecia que tudo corria melhor. Com ele, com a mulher e com todos os outros que, por um qualquer motivo incluído o acaso, se cruzavam com ele. Mas nos outros dias, em que repetia gestos, contactos ou percursos, sentia-se a viver uma eternidade difícil de suportar. E o mundo desabava sobre a sua cabeça e nas suas mãos de forma pesada e dura. Que o dissesse a mulher, Maria, que invariavelmente o recebia, abrindo a porta, com um silêncio sofrido e adivinhatório dos passos que se sucediam após o toque de campainha.
Joaquim era um homem amargo com a vida, com os outros e sobretudo consigo próprio, sem o reconhecer, procurando demonstrar uma auto-estima acima do comum dos mortais. Falava do que gostaria de ser como se fosse, evidenciando as suas melhores características, até aquelas com que sonhava. Por não gostar de nada em si, idealizava-se o melhor dos homens e procurava convencer-se a si próprio que não havia igual, apesar de não passar de um ser medíocre em qualquer esfera da sua vida – afectiva, profissional, relacional.
Maria era uma mulher às direitas, íntegra, respeitadora e cordata, boa profissional e meritória no seu desempenho, mas ao lado de Joaquim anulava-se por medo da mão pesada no silêncio, do olhar rude na intimidade, dos gestos bruscos, desprovidos de emoção, de sentimento e de afecto. Nos dias bons, tolerava-o e nos maus, perante o descontrole sem motivo aparente, odiava-o calada, sem proferir palavra ou emitir qualquer som. Procurava simplesmente passar despercebida naquela imensa casa que ambos construíram e partilhavam.
Aquele era um casal que tinha tudo para deixar de o ser mas, apesar de ninguém entender como ou porquê, ambos insistiam em se manterem juntos. Havia muito a preservar e que não queriam perder e contudo deixavam escapar o que de melhor podiam viver, a tranquilidade, a paz, o afecto, o amor.