Num final de noite, depois de um jantar reconfortante e tranquilo com alguns membros da família, preparámo-nos para a viagem de regresso a casa. A conversa surgiu uma vez mais e hoje dou comigo a pensar porque será que acabamos sempre as nossas conversas a falar sobre África. Desta vez o tema foram as experiências que por lá tive que, para mim, foram vividas intensamente com espírito de aventura e hoje lembradas com gosto e um sorriso saudosista mas, para elas, como apenas mais umas vivências inconscientes e arriscadas da minha parte. É verdade que implicaram algum risco, mas a vida tem-me ensinado que algumas das coisas que nos dão mais prazer são aquelas que mais exigem de nós e, que por isso mesmo, pressupõem uma margem de incerteza.
Falávamos de uma ida a Bombaim aquando de uma das visitas da minha irmã mais velha a STP. Ela tinha muita curiosidade em conhecer aquela roça, emblemática por ter sido conduzida por uma família que viera da Índia, daí o seu nome, que trouxera consigo o famoso mangustão, introduzindo o fruto na ilha. Depois, era uma das roças que estava a ser aproveitada com fins turístico, bem no interior da ilha de São Tomé, região habitada pela temível cobra preta, com grande densidade florestal, e por isso de grande beleza paisagística, com um acesso que, só por si e em dias de sol e bom tempo, representava uma aventura. A estrada de ligação entre a Milagrosa e Bombaim era de terra – uma picada com passagem de um carro de cada vez – em muito mau estado, cheia de buracos, agravados pelas chuvas quase diárias no interior da ilha tendo, de um dos lados, do esquerdo, uma vista deslumbrante para a floresta. Mas, olhando para baixo, sentíamos a vertigem de ver um precipício sem fim, percebido não só por não termos a noção de onde ficava o chão mas também pela altura incálculável das árvores. A hipótese de retorno, com inversão de marcha, era praticamente impossível pela largura da estrada, uma vez a caminho a opção era seguir em frente. Um deslize de terra podia mesmo ser fatal e as possibilidades de busca eram muito limitadas pela ausência de meios, dificuldade de contactos e morosidade do socorro. Ali, tudo é “leve-leve só”, até em caso de acidente.
De facto, aquela viagem representava uma aventura mas, na minha mais do que modesta opinião, muitíssimo compensadora. O deleite para os olhos, a tranquilidade dos verdes intercalados pelo amarelo alaranjado das eritrinas, leutrineiras como os santomenses rurais lhes chamavam, os cursos de água e a magnífica Cascata de Bombaim. Valia a pena, pensei eu! E lá fomos, nós as duas e a irmã de um cooperante que também estava de visita e férias antes do seu casamento, que teria lugar no mês seguinte.
Para animar o ambiente, criando expectativa, e aumentar os níveis de adrenalina, chovia. Não chovia torrencialmente, não eram sequer chuvas tropicais, mas sim aquela chuva miudinha que vai molhando, penetrando a terra e alimentando o verde. Choveu só depois da Milagrosa, ou seja após termos entrado em piso de terra, com precipício do lado esquerdo e uma parede de terra do lado direito. O jipe derrapou vezes infinitas nos sulcos de terra lamacenta e, não será necessário dizer que, fizemos o percurso todo com redutoras, pelo que a velocidade não foi, nem podia ser, a tónica dominante da viagem. As minhas companheiras de passeio não iam muito à vontade, apesar de tentarmos acompanhar, o mais afinadamente que conseguimos, o Kalú Mendes que cantava na rádio. Chegámos, depois de eu ter batido numa pedra, que fez um tremendo estrondo, mas que, como é meu hábito nestas coisas, relativizei. É que não vale muito a pena aumentarmos a apreensão decorrente de momentos dramáticos, porque só faz com que o desconforto aumente.
Almoçámos em Bombaim e elas visitaram a roça. A D. Genoveva – Veva – estava feliz com a visita e serviu-nos o melhor que podia, com cordialidade e o sorriso de sempre. De repente, a meio do almoço, chegou um grupo de santomenses, que terão passado pelo mesmo calvário que nós, entraram na sala e disseram qualquer coisa que, com o stress do dia, eu não entendi mas o meu raciocínio descortinou apenas qualquer coisa como “de quem é aquele carro que tem fogo?”. Eu levantei-me num pulo, e a minha tranquilidade foi traída pela realidade da minha apreensão escondida, fiz a minha cara de alucinação em momento de crise e com os olhos abertos até à exaustão perguntei “O carro está a arder? Carro? Qual carro?”. Inconscientemente comecei a traçar o problema que teria pela frente, já que não havia seguros e a responsabilidade daquele jipe com 2 anos de vida era integralmente minha... Eles riram até não poderem mais e disseram com o ar calmo que só os santomenses conseguem ter “Dona, não tá a arder. Tem furo!”.
O regresso foi mais apreensivo, pelo menos para elas de forma exteriorizada, que já se viam engolidas pelas cobras, pelo Obô, o Parque Natural, e por qualquer outra coisa que pudesse aparecer. A D. Veva fez o caminho à nossa frente, não fosse acontecer mais algum percalço, separando-se de nós apenas na Milagrosa, onde a estrada não sendo brilhante era de alcatrão.
Falávamos de uma ida a Bombaim aquando de uma das visitas da minha irmã mais velha a STP. Ela tinha muita curiosidade em conhecer aquela roça, emblemática por ter sido conduzida por uma família que viera da Índia, daí o seu nome, que trouxera consigo o famoso mangustão, introduzindo o fruto na ilha. Depois, era uma das roças que estava a ser aproveitada com fins turístico, bem no interior da ilha de São Tomé, região habitada pela temível cobra preta, com grande densidade florestal, e por isso de grande beleza paisagística, com um acesso que, só por si e em dias de sol e bom tempo, representava uma aventura. A estrada de ligação entre a Milagrosa e Bombaim era de terra – uma picada com passagem de um carro de cada vez – em muito mau estado, cheia de buracos, agravados pelas chuvas quase diárias no interior da ilha tendo, de um dos lados, do esquerdo, uma vista deslumbrante para a floresta. Mas, olhando para baixo, sentíamos a vertigem de ver um precipício sem fim, percebido não só por não termos a noção de onde ficava o chão mas também pela altura incálculável das árvores. A hipótese de retorno, com inversão de marcha, era praticamente impossível pela largura da estrada, uma vez a caminho a opção era seguir em frente. Um deslize de terra podia mesmo ser fatal e as possibilidades de busca eram muito limitadas pela ausência de meios, dificuldade de contactos e morosidade do socorro. Ali, tudo é “leve-leve só”, até em caso de acidente.
De facto, aquela viagem representava uma aventura mas, na minha mais do que modesta opinião, muitíssimo compensadora. O deleite para os olhos, a tranquilidade dos verdes intercalados pelo amarelo alaranjado das eritrinas, leutrineiras como os santomenses rurais lhes chamavam, os cursos de água e a magnífica Cascata de Bombaim. Valia a pena, pensei eu! E lá fomos, nós as duas e a irmã de um cooperante que também estava de visita e férias antes do seu casamento, que teria lugar no mês seguinte.
Para animar o ambiente, criando expectativa, e aumentar os níveis de adrenalina, chovia. Não chovia torrencialmente, não eram sequer chuvas tropicais, mas sim aquela chuva miudinha que vai molhando, penetrando a terra e alimentando o verde. Choveu só depois da Milagrosa, ou seja após termos entrado em piso de terra, com precipício do lado esquerdo e uma parede de terra do lado direito. O jipe derrapou vezes infinitas nos sulcos de terra lamacenta e, não será necessário dizer que, fizemos o percurso todo com redutoras, pelo que a velocidade não foi, nem podia ser, a tónica dominante da viagem. As minhas companheiras de passeio não iam muito à vontade, apesar de tentarmos acompanhar, o mais afinadamente que conseguimos, o Kalú Mendes que cantava na rádio. Chegámos, depois de eu ter batido numa pedra, que fez um tremendo estrondo, mas que, como é meu hábito nestas coisas, relativizei. É que não vale muito a pena aumentarmos a apreensão decorrente de momentos dramáticos, porque só faz com que o desconforto aumente.
Almoçámos em Bombaim e elas visitaram a roça. A D. Genoveva – Veva – estava feliz com a visita e serviu-nos o melhor que podia, com cordialidade e o sorriso de sempre. De repente, a meio do almoço, chegou um grupo de santomenses, que terão passado pelo mesmo calvário que nós, entraram na sala e disseram qualquer coisa que, com o stress do dia, eu não entendi mas o meu raciocínio descortinou apenas qualquer coisa como “de quem é aquele carro que tem fogo?”. Eu levantei-me num pulo, e a minha tranquilidade foi traída pela realidade da minha apreensão escondida, fiz a minha cara de alucinação em momento de crise e com os olhos abertos até à exaustão perguntei “O carro está a arder? Carro? Qual carro?”. Inconscientemente comecei a traçar o problema que teria pela frente, já que não havia seguros e a responsabilidade daquele jipe com 2 anos de vida era integralmente minha... Eles riram até não poderem mais e disseram com o ar calmo que só os santomenses conseguem ter “Dona, não tá a arder. Tem furo!”.
O regresso foi mais apreensivo, pelo menos para elas de forma exteriorizada, que já se viam engolidas pelas cobras, pelo Obô, o Parque Natural, e por qualquer outra coisa que pudesse aparecer. A D. Veva fez o caminho à nossa frente, não fosse acontecer mais algum percalço, separando-se de nós apenas na Milagrosa, onde a estrada não sendo brilhante era de alcatrão.
Tudo acabou bem e, apesar do risco, só lá indo é que pudemos viver tão intensamente a floresta santomense, nos sons, nos cheiros, nas cores, nas sensações. Foi um dia emocionante que, para mim, valeu a pena! E como este houve mais. Em terra e em mar...