segunda-feira, 6 de setembro de 2004

II Parte

Mortos vi alguns, na praia ou no mercado, após terem sido pescados - especialidade gastronómica muito apreciada por aquelas paragens, mas que nunca experimentei. Vi um em Neves, na praia, e fotografei-o, após o almoço nas Santolas. Outro, no decurso de uma viagem à Baía de S. Miguel, na inesquecível canoa “Tantan 3”, que ficou eternizada na memória de todos quantos participaram... foram sessões de susto contínuas, que hoje nos fazem sorrir.
No fundo, éramos um grupo de 10 pessoas, uma canoa e 1 colete. A partir deste contexto, quase tudo foi possível e pouco faltou acontecer. Com a excitação da partida e a emoção da situação – a portadora do colete não sabia nadar e ficou aterrada perante a possibilidade da canoa virar. No caminho perguntei a um dos rapazes, que nos levava e que ia tranquilamente semi-deitado, se havia muito tubarão no mar com aquela profundidade e a resposta dele, naturalmente para não nos assustar, foi - “Não, aqui não há tubarão”. Eis senão quando, o que ia a conduzir a canoa, e que não ouvira o comentário, grita entusiasmado, como que a referenciar uma atracção turística, “Olha, Tubarão...”. E fez-se um silêncio indescritível seguido de uma risada geral que evidenciava o nervosismo que todos sentíamos...
Depois o mar começou a encher de tal forma que a canoa levantava com a ondulação e a água entrava. Lá houve mudança de lugares para acertos de peso e sentimo-nos todos equilibristas de circo. Mas conseguimos não virar a canoa e não foi ninguém parar àquela água escura, densa e habitada sabe-se lá por que tipo de espécies. A cerca de meia hora de chegarmos ao destino, e com cerca de 3 horas de percurso já realizado, estávamos cansados, stressados, desgastados e a moça do colete aterrada, sem que ninguém a conseguisse tranquilizar. O mar continuava a crescer, ou parecia-nos que sim. E pensávamos, meios calados, como seria o regresso. Decidirmos regressar.
Na viagem de regresso, o medo passou ao choro e ao lamento de uns e à perplexidade de outros. Sim, os nossos “guias” estavam prestes a entrar dentro de uma gruta, com a canoa e todos a vermos o mar a bater nas paredes da gruta, sem percebermos ao certo como sairiamos dali, sãos e salvos. Eu apostei com o meu amigo, com o qual partilhava o banco e as emoções do momento, que não era uma boa ideia, mas ele achou que era brincadeira e que não passariamos por lá. Passámos... e foi uma benesse do Júpiter ter-nos permitido quase voar para fora da gruta, com uma onda a elevar-se atrás de nós e cuspindo-nos para fora.
O susto passou e a chegada à praia das Conchas para um banho tranquilizador foi feita num silêncio apenas quebrado pelo choro da portadora do colete. O banho foi merecido e interrompido por um grito – Tufão no mar, vamos embora depressa para chegarmos a Morro Peixe antes dele passar. Ninguém questionou a decisão e provámos a nós mesmos que a psicologia de grupo é uma coisa complicada e que deveria ser mais estudada por especialistas...
No caminho o tufão passou a cerca de 5 metros da canoa e eu, comprovando as chamadas de atenção da minha mãe para a minha inconsciência, saquei da minha máquina fotográfica e apesar da chuva comecei a clicar para mais tarde recordar. Claro que a minha máquina digital, nunca mais foi a mesma, mas fotografou o tufão – e apesar de algumas terem ficado tremidas – posso dizer que o fotografei enrolado e passando por nós... Como senão bastasse os nossos amigos condutores da canoa, ao verem o tufão a aproximar-se, gritam “põe mochila”, e mais uma vez, nunguém questionou. Para quê? Afinal eles eram os nossos guias. E pusemos as mochilas nas costas, bem sentadinhos no chão da canoa e encharcados que nem uns pintos, pela chuva e pelo embate da canoa na ondulação. Nem pensámos que, se a canoa virasse, iriamos mais depressa ao fundo. Mas, naquela altura, quem é que conseguiria pensar?
Foi reconfortante chegar a Morro Peixe e perceber a preocupação dos pescadores, rezavam por nós, com razão, e as preces deles surtiram efeito!
Já em Lisboa, assisti, como de costume a um programa de televisão sobre fauna, que naquele dia privilegiou o tubarão, destacando o famoso de São Tomé. A informação disponibilizada foi interessante e esclarecedora. Este bicho tem, no mundo inteiro, “má fama”, mas, desde há 25 anos, só existe conhecimento de 3 ataques, sem serem a turistas. A zona onde aparecem mais animais é em Neves e são maioritariamente fêmeas. Porquê? Pois essa questão o programa não esclarecia, apesar de dizer que, com certeza, haverá um bom motivo...
O tubarão procura habitats com águas calmas, escuras e profundas e, para respirar, precisa de movimento, que lhe permite aumentar os níveis de oxigenação. Esta é a razão porque normalmente nada de um lado para o outro, sem parar, podendo atingir velocidades elevadas. Nada, para receber maior quantidade de oxigénio.
Curiosamente, contrariando a regra do que é, em princípio, normal nesta espécie, o tubarão que circula pelo mar de São Tomé, nomeadamente na região de Neves (podendo ser encontrado na zona da Lagoa Azul e a sul da Praia Melão), foi denominado no programa como “preguiçoso”, dado que, para não se movimentar muito, aproveita a zona da rebentação, onde a água é mais mexida, fazendo com que as guelras sejam naturalmente oxigenadas. É afinal um tubarão migrante e “leve-leve”, bem enquadrável no espírito santomense. Irónico, no mínimo, mas não deixa de ser muito engraçado.

Manual de sobrevivência em meios socialmente hostis

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