segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

A caminho de São Tomé... ou talvez não... parte 2

Passava das 5h da manhã quando embarcámos; descolámos depois das 5h30. Ao entrar o avião pareceu-me ter acabado de entrar num engarrafamento em hora de ponta. O voo devia estar praticamente cheio e a desorganização dos passageiros era enorme: pessoas em pé, com resistência em se sentar, malas, sacos, pacotes que saíam para fora do porta-bagagem. A hora era tardia, o cansaço começava a fazer-se sentir e eu não me sinto confortável com ajuntamentos. Por milésimos de segundo a vontade que tive foi desatar a correr dali para fora. Contrariando os meus ímpetos furiosos limitei-me a respirar fundo na expectativa de encontrar um espacinho livre de gente onde me pudesse esticar por umas horas de olhos fechados. Alegrei-me ao vislumbrar três filas centrais abandonadas por todos os que tinham entrado antes de mim. Ninguém parecia querer aqueles lugares e num rasgo de sorte a hospedeira que por ali circulava sorriu perante o meu ar ansioso ao perguntar se podia ocupar uma das filas. Passei a viagem esticada nos três bancos com os correspondentes cobertores por cima do corpo e as três almofadas a embalarem o meu imaginário, envolvendo o descanso merecido. Eu dormi, tinha mesmo de ser assim, perdi o pequeno-almoço, antecipado para as seis e qualquer coisa em resultado dos atrasos, e o almoço que, pela mesma ordem de razões, também passou para as 10h da manhã. A esta hora, semi-acordada, a procurar recuperar o estado de consciência mas sem imaginar a forma como o estômago receberia os alimentos cozinhados oferecidos no catering do avião, procurei perceber como é que os outros assumiam a viagem. Foi terrível, quase catastrófico para o meu estômago, ver alguns - muitos - beber vinho tinto às 10h10 sem terem nada no bucho e como se não houvesse amanhã, repetindo sempre que possível. Foi igualmente estranho ver quase todos comerem ravioli com queijo e cogumelos tão cedo. Fui incapaz de tal façanha e fiquei-me por um sumo de maçã e pão com manteiga.
Enquanto estabelecia conjecturas acerca dos hábitos alimentares dos viajantes de aviões com atraso, percebi que o tempo até passou depressa dentro do grande pássaro de asas longas. Sobrevoávamos a ilha de São Tomé e em breve aterraríamos no Aeroporto Internacional. Antes disso entregaram-nos uns questionários de avaliação do serviço e do voo. A tripulação não teve certamente culpa mas há coisas fantásticas nestas avaliações, das quais também sou normalmente adepta. Pedem-nos para avaliarmos o sistema de audio e video mas o avião não dispunha dessas funcionalidades... nem uma TV com filmes ou documentários, nem música clássica, africana, pop ou pimba. Foi um voo sem animação, pelo que não havia como avaliar. Também não havia campo para comentários, reclamações ou sugestões e por isso quem o quis fazer teve obrigatoriamente de rabiscar o formulário sem garantia de alguém ler estas anotações. 




À nossa chegada, o céu estava nublado, escuro, cinzento, pesado, intercalado com uns tímidos raios de sol fazendo emergir uma luminosidade que indiciava calor húmido. Fez-me lembrar outras chegadas, outras experiências, outras vivências... 
Nova fila nos aguardava na pista do aeroporto, desta feita para a monitorização do ébola. Parecia uma cena de filme. Técnicos e enfermeiros artilhados de máscara e luvas mas suficientemente descobertos na pele para poderem ser contaminados no caso de contacto com doentes infectados. A tez era séria porque o assunto requeria cuidados e atenção. Iam apontando um termómetro electrónico ao olho direito de cada passageiro que entregava uma ficha devidamente preenchida com dados sobre a origem e os contactos anteriores. Para não variar, seguiu-se a fila novamente formada para o controle dos vistos de entrada e, por fim, num edifício interiormente remodelado, chegámos à sala de recolha de bagagens. Ao fim de tantos anos - 15, 16? - a confusão persiste. O que melhorou foi o ar condicionado, a iluminação e o aspecto mais clean. De resto, tudo continua invariavelmente na mesma. Para nós, a desorganização que se vive na sala multiplicou-se à conta dos caixotes e dos rolos, sem carrinhos disponíveis e enorme dificuldade em chegar à frente. Aguarda-se a colocação da bagagem fora do formato, o que significa esperar de novo pelo fim... O maior problema surge, conforme esperado, no controle das bagagens. Desta vez, as malas nem sequer foram abertas mas os caixotes recolheram atenção e como o conteúdo eram manuais escolares em grande quantidade para entregar nas escolas, foi entendido que teriam de ter uma guia de exportação. Como fazer para que os técnicos da Alfândega entendessem que se tratava de uma acção de cooperação? Não havia nada a fazer, não entenderam e confiscaram, supostamente para verificação, caixotes e rolos de cartazes, no caso referentes ao tema da biodiversidade. Complicações africanas... resta-nos a resignação... até porque se segue um dia marcado por um atraso de horas...

05/09/2014

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