O caso do Carlos Castro/Renato Seabra tem dado muito que falar, ler e pensar. Cada um faz a sua avaliação, seguramente superficial por só ter acesso a uma ínfima parte dos dados, e eu não sou mais nem menos do que todos os outros. Faço a minha, certa de que poderei estar a incorrer em erros sem fim e injustiças em catadupa. Tal como a maioria, sinto-me revoltada e angustiada com o que penso que poderá ter acontecido, a partir do que tenho lido e ouvido. Esta sensação é dupla, até. Por um lado, pelo sofrimento físico que muito provavelmente foi sentido e que é sempre resultado de violência extrema; por outro lado, porque aquela violência poderá, com alguma margem de certeza, ter sido motivada/estimulada por factores de extrema gravidade que, só por si, são também causadores de sofrimento psicológico e emocional. Para as coisas terem chegado a um cenário dantesco e atroz, as culpas foram com certeza de parte a parte, não havendo puros santos nem demónios.
As imagens que podemos criar e recriar a partir do que vamos lendo são terríficas e não há como dar volta a isso. Não se trata apenas de um homicídio mas sim do complemento da tortura. Tenho lido muito sobre o tema porque as razões que podem ter levado aquele jovem rapaz de 20 anos, cheio de sonhos e de projectos, com a cabeça envolta em ilusões, cometer uma atrocidade destas, repleta de pequenos pormenores, me fazem uma confusão sem fim.
Há que dizer que eu não gostava do Carlos Castro. Nunca gostei. Pior, a figura dele sempre me repugnou um pouco. Não pelas opções sexuais que tinha, porque isso era uma escolha pessoal com a qual não tenho que ver, nem opinar. Não sou defensora da homossexualidade mas, desde que cada um esteja no seu canto sem interferir com a vida alheia, no geral, não me incomoda. Conheço muitos homossexuais, alguns dos meus colegas são muito assumidos, outros menos e, desde que sejam organizados, tudo se passa de forma pacífica. Não gostava dele porque tinha uma imagem escorregadia, viscosa até. Se identificasse um animal com a sua figura, diria que era uma cobra. Os olhos pequenos e encovados, quase sem se verem e pouco expressivos, a forma sibilosa de falar e de estar, o andar ondulado. As cobras são, para mim, animais repugnantes e falsos. E também a atitude venenosa que vingou fazendo dele o rei do mexerico, do diz que disse, do boato muitas vezes infundado e pouco sério que denegria e deitava por terra uma vida construída. Lembro-me dele escrever como “Daniela” e sempre me fez confusão a escrita intriguista e pouco séria. E, ainda mais, a ideia de que aproveitava a fragilidade de algumas pessoas, que viam nele uma porta de entrada para chegar mais além, aliciando-as com um presente-futuro brilhante em troca de pequenos-grandes momentos de êxtase. Não gostava da imagem dele, nem do que ele representava, mas tenho pena da forma como passou para a outra dimensão. Não havia necessidade de tanto...
Também há que dizer que não conhecia o Renato Seabra, nem sequer segui o concurso da SIC, pelo que não me sinto influenciada por uma imagem, eventualmente positiva de bom rapaz, educado e tímido, que tivesse criado em torno dele. Do que posso perceber, não me parece que ele tenha agido bem, nem aproximando-se do Castro, esperando subir na vida e no mundo da moda, nem excedendo-se no comportamento final com actos selváticos. Pois não agiu. Aquilo não se faz a ninguém e também não há como contornar isso. Não teve o discernimento suficiente e necessário para lidar com um mundo ao qual, provavelmente, não pertencia, o da homossexualidade. Revelou imaturidade e incapacidade de virar as costas a uma situação que não lhe interessava, evitando assim males maiores. Mas, pensando que ele errou em muitas coisas, senão em todas mesmo, desde que conheceu o Castro, tenho uma pena infinita dele. Tenho pena porque tem apenas 20 anos e não estava preparado para enfrentar uma realidade de aliciamento e de sedução, na qual é fácil entrar mas tão difícil de gerir, e digerir... Porque estava certamente inebriado por uma vida que parecia excessivamente fácil mas que, na verdade, estava longe de ser real por implicar cobranças que, a nível sexual, são sempre difíceis e deixam marcas profundíssimas. Tenho pena porque, movido sabe-se lá porquê, seja uma emoção forte, um confronto com a desilusão e a vergonha, ou influenciado por químicos que tenha ingerido, com ou sem conhecimento, estragou a vida e nada mais, daqui para a frente, se aproximará daquilo que ele, um dia, sonhou. Pobre Renato!
Este caso não me tem saído da cabeça, essa é que é essa e faz-me pensar. Não me consigo desligar e dou comigo a viajar mentalmente até àquele cenário de horror, salpicado de malícia. Sem dúvida, que me assusta. Posso dizer, com alguma segurança, que não passarei por uma situação semelhante, com aqueles contornos, porque aquele não é o meu mundo e nunca o desejei. Mas de uma coisa tenho a certeza: a linha que separa a razoabilidade - em que se sabe de onde se vem e para onde se vai, por que caminhos e com que companhias - do estado de loucura - em que tudo passa a ser tão difuso que perdemos um pouco a consciência, podendo cometer actos impensáveis no estado de razoabilidade - é tão ténue que, o que amedronta, é não conseguirmos reconhecer e distinguir as situações, em determinados momentos, momentos-limite.
Todos nós já passámos por situações próximas do limite, ou do que pensamos ser. E, mal comparado, o caso do Renato recordou-me o que vivi em Moçambique, algures no ano de 1998. Foram momentos terríveis e algo inesperados, vivências indesejadas que deixaram marcas até hoje. Mas, apesar da complicação que envolvia quem comigo estava e na qual poderia ter sido enredada, eu consegui ter o discernimento e a razoabilidade para dizer: basta! E pensar que, em determinadas ocasiões, a vida se transforma sem pedirmos, sem nos darmos conta, de tal forma que, se não tivermos os pés bem assentes na terra, podemos passar a fasquia da razoabilidade e enlouquecermos, nem que seja por um minuto que marca a diferença. E que esse minuto pode acabar com a nossa vida... É assustador!