sexta-feira, 24 de março de 2006

Guiné Bissau: Primeira Parte

A verdade é que esta viagem não tinha de correr bem. Talvez tivesse mesmo de correr mal sem que eu tenha a capacidade de perceber porquê. Mas hoje, depois de tudo o que vivi no tão curto espaço de tempo de uma semana e três dias, que me pareceram uma eternidade, compreendo que todos os acontecimentos indiciavam uma viagem que viria a ser uma complicação num dia só.

A partida era no dia 10 bem cedo, chegando eu com três horas de antecedência porque o trânsito esteve a meu favor e, naquele dia, não houve filas. À chegada percebo que não me antecipei tanto quanto pensava porque à minha frente para efectuar o check in estava já uma multidão que se disser que ultrapassavam os 50 não estou a exagerar. Lá fui para o fim da fila, aguardando calmamente mas com algum espanto dada a quantidade de pessoas que se aglomerava à minha frente: só podiam ter dormido no aeroporto...!!! Eu estou habituada a viajar para África mas uma coisa como aquelas ultrapassou tudo o que já vira antes.

Mais stressante do que a espera foi realizar que me esquecera de levantar dinheiro para todo o tempo da estadia, tarefa que foi de imediato transferida para a minha mãe. Após o check in, já com o dinheiro e depois das despedidas que deixam o coração apertado, dirigi-me para as partidas. Tomei o pequeno almoço, que também me esquecera, e acabámos por embarcar.

O voo foi atribulado com muita turbulência e infinitas recomendações do pessoal de bordo, por vezes e sempre que havia incumprimento de forma ríspida, para que apertássemos os cintos e nos mantivéssemos sentados. Havia um problema que foi mencionado pelo comandante de imediato e após a descolagem: uma tempestade de areia do Sahara que descia, e que no momento deixava a cidade de Bissau envolta numa nuvem impenetrável. Assim, foi-nos indicado que tentaríamos a aterragem duas vezes, mas se não fosse possível partiríamos para Dakar, e aí logo se veria. Assim foi: a primeira tentativa foi frustrada por nos termos aproximado da pista sem descermos o suficiente; a segunda resultou numa alucinação que me permitiu ter uma visão de grande proximidade das árvores. Estávamos quase a aterrar quando sentimos o avião baloiçar para a esquerda, depois direita e por fim levantar de novo. Pensei que morríamos ali pela proximidade das árvores mas afinal vim a saber que a fatalidade podia mesmo ter acontecido, só que com o que estivemos prestes a chocar foi com a torre de controle. Milimétrico segundo me disseram mais tarde. Ao fim da terceira tentativa, em que já não descemos o suficiente para arriscar uma aterragem, voltámos para Dakar!

Em Dakar o rumo dos acontecimentos não melhorou: todas as vozes eram de descontentamento e pouca resignação e as ordens foram no sentido de embarcarmos para o regresso a Lisboa, já que a TAP garantiria novo voo para Bissau na madrugada do dia seguinte mas não garantia nem alojamento nem transporte para quem ficasse em Dakar. Como sempre nestas coisas, e para que ninguém diga que não teve oportunidade de escolha, 56 passageiros não só se recusaram a regressar a Lisboa como formaram um bloco de oposição aos que queriam embarcar. Eu queria!!! E como entendo que não posso obrigar ninguém a fazer o que não quer, assim como também não me parece muito democrático obrigarem-me a fazer o que não me convém, fiquei fula, manifestei o meu desagrado face a tamanha irracionalidade e regressei mesmo a Lisboa depois de um novo embarque que se revelou simplesmente caricato e surrealista: aos bocadinhos, em grupos de 4 pessoas, para que não houvesse mais problemas!!!

Chegada a Lisboa depois de nova fase de turbulência e muito cansada desta confusão, vim para casa com a intuição que alguma coisa não estava a correr bem desde o início, o que não era muito auspicioso. Não falei nisso de forma aberta mas quem me conhece bem sabe, e sentiu, que eu estava tensa. Muito. Demasiado!

(continua)

 

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