terça-feira, 9 de agosto de 2005

PROCURA-SE UM AMIGO

Por Vinicius de Moraes

Não precisa ser  homem,  basta ser humano, basta ter sentimentos, basta ter  coração. Precisa saber falar e calar, sobretudo saber ouvir. Tem que gostar  de poesia, de madrugada, de pássaro, de sol, da lua, do canto, dos  ventos e das canções da brisa. Deve ter amor, um grande amor por  alguém,  ou  então  sentir  falta  de não ter esse amor. Deve amar o próximo  e  respeitar  a dor que os passantes levam consigo. Deve guardar segredo sem se sacrificar. Não  é  preciso  que seja de primeira mão, nem é imprescindível que seja  de segunda mão. Pode já ter sido enganado, pois todos os amigos são enganados. Não é preciso que seja puro, nem que seja todo impuro, mas não deve ser vulgar. Deve ter um ideal e medo de perdê-lo e, no caso de assim não  ser, deve  sentir  o  grande  vácuo  que  isso  deixa. Tem que ter ressonâncias humanas, seu principal objectivo deve ser o de amigo. Deve sentir  pena  das  pessoa  tristes  e  compreender  o  imenso  vazio dos solitários. Deve gostar de crianças e lastimar as que não puderam nascer. Procura-se  um  amigo para gostar dos mesmos gostos, que se comova, quando chamado  de  amigo. Que  saiba  conversar  de coisas simples, de orvalhos, de grandes chuvas e das recordações de infância. Precisa-se de um  amigo para  não  se  enlouquecer, para contar o que se viu de belo e triste durante o dia, dos anseios e das realizações, dos sonhos e da realidade. Deve  gostar de ruas desertas, de poças de água e de caminhos molhados, de beira de estrada, de mato depois da chuva, de se deitar no capim. Precisa-se de um amigo que diga que vale a pena viver, não porque a vida  é bela, mas porque já se tem um amigo. Precisa-se de um amigo para se  parar de  chorar. Para não se viver debruçado no passado em busca de memórias perdidas. Que nos bata nos ombros sorrindo ou chorando, mas que nos chame de amigo, para ter-se a consciência de que ainda se vive

Manual de sobrevivência em meios socialmente hostis

Presenciando cenas pela manhã bem cedo recordo uma pessoa que conheci em São Tomé e Príncipe há uma eternidade e de quem perdi o rasto há ...