Aquela é uma terra à beira mar plantada, situada bem ao meio de uma baía calma e tranquila, onde as águas só se mexem quando a maré vaza ou enche. Ali aprendi a nadar, perdi o medo do mar e ganhei respeito à sua força e teimosia, percebendo que numa luta com as correntes, o mais provável é eu não vencer. O mar tudo nos dá, depende da forma como o tratamos: se conversarmos com ele e o admirarmos, ele oferece-nos coisas boas e permite-nos realizar sonhos; se falamos com ou sobre ele com desdém e arrogância, ele responde-nos demonstrando quem manda.
Ali o mar continua calmo como sempre foi, azul escuro e frio, rico em peixe, molusco e marisco. Tanto assim é que a vida na vila se faz à volta dele. Não há família que não tenha gerado pelo menos um pescador e, muito menos, que não se alimente maioritariamente do que as águas e as profundezas oferecem. Os dias de comer carne eram festivos, hoje são-no menos mas o peixe continua a predominar.
A vila, como tantas outras no país, era pitoresca, com casas pintadas de branco, a roupa estendida nas janelas e no ar um cheiro intenso a maresia. Em tempos idos, na praia vendeu-se peixe, e até havia a “praia dos pescadores”, antes da lota ser passada para uma das pontas da baía, e antes de fazerem o pontão, de darem cabo da praia da doca com um projecto de melhoria das condições dos pescadores. Mas como sempre, os projectos que envolvem pobres são feios, sem preocupações estéticas de integração arquitectónica, como se eles fossem menos pessoas e não precisassem de um espaço bonito e envolvente. A praia onde todas as tardes, ou quase todas, andava de barco a remos, onde aprendi a remar no meio de traineiras de pesca e outras embarcações de madeira, desapareceu para dar origem a um amontoado de barracas que servem para armazenar redes, alguidares e outros utensílios. Pode ser útil, mas e feio. Muito feio!
O pontão foi tão aumentado que hoje quase chega ao forte, monumento histórico que faz parte das minhas referências situado bem a meio da vila, onde no verão havia concertos à noite; a construção cresceu de forma não planeada a um ritmo alucinante e o pitoresco que a vila tinha e que a tornava única, perdeu-se por descaracterização; o homem que vendia bolas e fatias de bolo de coco, húmido e magnífico, já por lá não anda; o banheiro que me ensinou pacientemente a nadar quando eu tinha 5 para 6 anos, o Sr. Domingos, já morreu e quem explora os toldos na praia do espadarte já não é o Sr. Duarte; o homem do táxi que nos levava à Carrasqueira, no meio do pinhal e longe do rebuliço da vila e a quem chamávamos “bate sorna” porque se não cantássemos e gritássemos, de quando em vez, adormeceria a conduzir já não trabalha e nem sequer se vê sentado no jardim; o castelo, lá no alto, onde comia “maçãs riscadinhas”, ácidas e suculentas, perdeu parte da imponência que tinha e poucos são os que se dignam a observá-lo cá de baixo ou a visitá-lo.
O que dizer...?! Estragaram a terra da minha infância, não onde cresci, mas onde passava os 3 meses de férias no verão, as férias da Páscoa e uma grande parte dos fins de semana durante o ano. Este era o local-refúgio da minha adolescência, onde os rapazes eram por nós conhecidos como os “piscitos”, onde as saídas nocturnas para a discoteca se faziam ao fim de semana, sem se perder um que fosse em Galápos, porque era um must quando existia, seguidas de uma incursão de madrugada a uma das panificadoras para a compra de bolos reconfortantes antes do sono, e que, na minha idade adulta, ainda me faz atravessar a ponte de quando em vez para ir comprar peixe fresco, saboroso e suculento como não chega a Lisboa, e apesar de eu não dever comer peixe por causa da minha alergia, o anisakis. Mas quem pode resistir ao peixe de Sesimbra, que faz sonhar qualquer um? Ali, naquela terra, também eu fui muito feliz!!!