A vida ensinou a Vera que chorar a ausência não só não resolve como agudiza a angústia e a sensação de perda. Mas, como chorar não é uma manifestação que a maioria das pessoas tenha por querer, Vera aprendeu a controlá-la e passou a chorar para dentro. Quando está triste, sorri e, para não ser traída pelo tremor dos lábios, trinca o inferior no canto esquerdo. Mordisca-o sorrindo para fora, mas no seu interior chove de tal forma que mais parece um dilúvio em dia de tempestade. E isso passou a acontecer cada vez com mais frequência. Abel nem disso dá conta e ela também faz porque ele não se aperceba. Ele está longe dela e pouco a vê, para dizer a verdade, cada vez menos. Por isso, o risco de tomar consciência do que se passa com ela é pequeno. E, para ela, isso é bom.
Depois de Abel, Vera não se voltou a apaixonar por mais nenhum homem. Não podia porque tendia a usar uma medida de comparação que não deixava margem para dúvidas. Abel tinha sido o “seu must” e apesar de tantas qualidades, ela sofrera muito por ele e continuava a sofrer. Era um risco viver sem afecto e sem paixão e os momentos de dureza emocional tornavam-se cada vez mais longos. Mas ela não queria sofrer mais. E contudo, a cada manhã em que acordava a lembrar-se do beijo que ele lhe dava quando saia para o trabalho, enquanto ela ficava na lazeira, ou nas noites de conversa e de amor partilhado, que ela queria acreditar que fora sentido, continuava a sofrer. Era feliz com a lembrança e infeliz com a recordação porque essa reforçava a ausência e a impossibilidade.