Em África há uma enormíssima contradição, a maior de todas, para os portugueses que procuram (con)viver uns com os outros - todos são "grandes amigos" mas em nenhum se pode confiar verdadeiramente. Fui jantar com uma amiga, que conheci numa das Áfricas pelas quais passei, e falámos sobre as amizades. Dizia-me ela que era estranho que no nosso grupo de amigos houvesse tanto maldizer, comentários sobre a vida alheia, mas sem que os próprios tivessem conhecimento directo, não se podendo portanto defender. Eu já sabia, até porque fui, entre outras pessoas, um dos alvos dessas conversas. E, a dada altura, tudo passou a ser demasiado óbvio.
Amigos por lá fiz poucos, tal como toda a gente. Mas no que toca a conhecidos... fiz muitos, conhecia toda a gente e toda a gente me conhecia. Ela estava desagradada porque não compreendia como, pessoas que estavam permanentemente juntas, que não faziam nada umas sem as outras, que partilhavam momentos - bons e maus - vivências e tudo o que fosse, podiam criticar-se tanto, sem frontalidade, sem abertura, sem sinceridade. Parecia-lhe uma atitude desonesta, por parte desses "amigos".
Vim para casa a pensar que a vida é muitas vezes injusta e severa, que as provas pelas quais temos de passar não nos facilitam os maus momentos, agravando-os e que as pessoas em quem procuramos confiar, em certos contextos, não merecem um minuto do nosso pensamento, quanto mais dias, semanas e meses de convívio. Pensei no que ela teve necessidade de me contar ao fim de tanto tempo, e falei pouco, como seria de esperar dado o tema da conversa ser sensível. E lá fui reler um dos livrinhos de bolso, temáticos.
"Um amigo é alguém que pensa em ti e te ouve e te ajuda a saber o que tu és. Alguém que te ajuda a descobrir as coisas, alguém que está contigo e não tem pressas. Alguém em quem tu podes acreditar".
in Um Amigo, Editorial Presença