E no meio da conversa, ela optou pelo monólogo. Tinha de falar, de contar - não tudo, apenas uma pequena parte do que foi e viveu. Ele não ia ficar a saber nada, pelo menos dos factos mais importantes, para o bem e para o mal. Mas precisava de partilhar alguma coisa do que já vivera. E com um desconhecido, as palavras fluíam melhor. Ele escutava-a com atenção redobrada, tentando encontrar pontos de ligação, apesar de não o conseguir. Talvez um dia, quando a conhecesse melhor e partilhasse algo mais do que apenas um café e duas horas da sua companhia. Se o destino o quisesse e assim o entendesse, teriam oportunidade de falar, de partilhar o passado, o presente e de construir um futuro. Se não pudesse ser, já ficava contente, afinal ela confiara-lhe algo que tinha dificuldade em relatar aos mais próximos. Por isso, escutava-a:
"A que Áfricas vou? Para já às que falam português - não sei se é bem dizê-lo desta forma, mas é a verdade. Olhe, hoje apetece-me conversar. E já que me perguntou, vou explicar um pouco o que me fez ir até África, contra tudo e contra quase todos os que fazem parte da minha vida.
Fui à Guiné, em tempos, e a Moçambique. Ultimamente tenho ido a S. Tomé, sem Príncipe porque inacreditavelmente... em 5 anos de idas e vindas nunca fui ao Príncipe, fui sempre adiando. Passei por Annobon, Guiné Equatorial, mas foi apenas uma passagem e não uma estadia. Quem sabe se poderei passar a outras Áfricas que não falem português. Penso voltar aos 3 "eleitos" e associar mais alguns no próximo ano e por mais uma temporada.
O que fiz por lá? Coisas diferentes em todos eles e, em STP, muitas. Na Guiné colaborei com uma ONG local, financiada, claro está, por instituições internacionais, na avaliação de micro-projectos de desenvolvimento local, comunitário e participativo. Foi a minha primeira incursão por África, não conhecia ninguém e resultou, na altura, numa vivência fortíssima, marcada por um sentimento de isolamento muito grande, onde senti inúmeras dificuldades pelas características sociopolíticas e económicas. Era a época do Nino Vieira e aquilo não era fácil. Apesar de ter sido muito bem acolhida e de todos terem sido muito afáveis comigo, estive todo o tempo desejosa de regressar à base e à minha normalidade, rotineira, segura e muito programada, com horários encadeados, relações pouco fortes mas seguras, uma vidinha pouco emocionante mas confortável qb. Hoje gostava de lá regressar e espero consegui-lo nos próximos anos. Penso muito naquele país, nas tradições e nas formas de vida, nas coisas que me fizeram confusão mas que hoje entendo muito melhor.
A verdade é que, se a experiência foi dura na altura em que lá estive, o "bichinho" por África ficou e a minha vontade de conhecer mais sítios, confrontar culturas e ter novas vivências foi aumentando à medida que a rotina se instalava. A vida que tinha aqui podia ser confortável, mas no fundo... era uma chatice! Sempre igual e repleta de obrigações. Profissionalmente estava bem, com uma posição também confortável, cada vez com mais responsabilidades e mais estatuto, mas... havia qualquer coisa que me deixava insatisfeita. E assim... aparece Moçambique, onde estive de passagem, em viagens de curta duração, nada de muito importante, mas tenho de reconhecer que foi um país que me marcou, principalmente a nível pessoal e do qual gostei tanto que espero também voltar.
Como já tinha o "embate" da Guiné, não me senti tão estranhamente confrontada com a cultura africana, com os modos de vida e com as posturas dos africanos. Mas, mais uma vez, não regressei igual ao que fui. Muitas coisas mudaram em mim naquelas curtíssimas estadias e creio que cresci, talvez não da melhor forma, uma vez mais. Mas amadureci, com certeza. Tal como na Guiné, mas por motivos diferentes, senti solidão, ausência, angústia e sentimentos pouco claros com os quais não estava habituada a lidar. E de novo regressei à minha rotina, com horários, estabilidade, pouca emoção mas era o que se arranjava.
De repente, meio caído do céu, aparece-me uma hipótese de começar a colaborar, pontualmente no tempo com STP. E fui. Era um país novo, que me apetecia conhecer, pequeno, muito seguro já que é conhecido como o país com menos criminalidade do mundo, com pessoas novas, que poderia conhecer e num trabalho aliciante. Destes trabalhos surgiram outras propostas e passei assim 3 anos, a ir e a vir, o que culminou com a minha mudança para lá, onde vivi durante 1 ano. Fiz investigação, colaborei com organismos públicos, fiz conferências e comecei a colaborar com uma revista local.
A partida foi muito dura, bem como o regresso porque, misturado com o facto de me ter apaixonado pelo país e pelas pessoas logo na primeira ida, deixei-me apaixonar por lá, pela pessoa errada. O regresso foi necessário, por muitasrazões. Mas não deixei de lá ir, de tempos a tempos. E espero um dia regressar, quem sabe para ficar uma longa temporada, ou quem sabe uns dias apenas. O futuro o dirá e não faz bem tentar adivinhar o futuro.
Esta é a minha história africana, resumida ao possível. Se me perguntar se gosto de África... Do que conheço, sim! Gosto muito. Da disponibilidade, da facilidade dos contactos que se estabelecem, de forma natural, das paisagens, dos sorrisos, da comida, do clima, da forma como se sente por lá. De... de... de... são tantas as razões que é difícil explicar. E posso dizer-lhe que nunca tive estadias fáceis."