segunda-feira, 20 de setembro de 2004

Raio Verde II

"(...) Amir Klink, navegador, em PARATII entre dois Pólos (1991), descreve a experiência da observação do fenómeno, vivida na primeira pessoa, «desde criança, sempre carreguei um desejo meio difícil de realizar (...). Sempre que era possível, eu perseguia o pôr-do-sol no mar. Atento, até a bola de luz amarelo avermelhada ir-se fundindo no horizonte, à procura de um fenómeno muito raro, que quase todos os povos navegadores do passado já mencionaram: o «green flash» ou «rayon vert». Um raio, ou explosão de luz que acontece em condições muito especiais, no exacto instante em que a última lasca do sol desaparece no horizonte.(...) Cumpria o mesmo ritual de sempre, meio sem esperança de um dia ver qualquer coisa - «dezanove horas, cinquenta e cinco minutos e trinta segundos... quarenta segundos... cinquenta... lá se vai o sol... ade...». E escapou um grito de súbito: «Eu vi! Eu vi! Eu vi!» Tanto tempo e, enfim, eu vi o Raio Verde. Uma fração de segundo que valeu toda a viagem».
(...) Para observar o Raio Verde, é necessário antes de mais escolher dias em que o céu esteja descoberto, com uma concentração mínima de humidade no ar, permitindo que a atmosfera esteja límpida e fazendo com que o horizonte pareça distante.
Há que escolher o local, de forma criteriosa, para que a observação deixe de ser um sonho e passe a realidade. O mar é o local tecnicamente considerado como mais adequado, sendo contudo possível observá-lo em zonas montanhosas com panorâmica sobre a costa e o mar, olhando para oeste. As ilhas são locais privilegiados e São Tomé e Príncipe reúne todas as condições para uma atenta observação do fenómeno.
É necessário ter disponibilidade, tanto de tempo como psicológica ou emocional, evidenciando receptividade, não só para a observação do fenómeno como também, para o significado que representa.
De acordo com os relatos anteriores, o Raio Verde aparece no céu, nos últimos segundos do pôr-do-sol, pelo que é requerida atenção e capacidade de concentração por parte dos observadores. É aconselhada, como preparação, a prévia realização de exercícios de contemplação de pontos, com fixação da visão, em espaços naturais vastos, com colorações fortes, tentando identificar particularidades e detalhes.
Do ponto de vista do perfil psicológico do observador, é requerida persistência e disponibilidade para muitas observações sucessivas, sem desanimar. O mais provável é que a observação do fenómeno e o seu registo se revelem dificultados por diversas razões, parecendo impossíveis, pela inexistência do raio ou por ser considerado, pelos menos optimistas, apenas como o resultado da imaginação de alguns.
De acordo com os relatos existentes, a preserverança e o esforço são compensados e o ditado acaba mesmo por se confirmar - «Quem Espera Sempre Alcança».
O recurso a binóculos é aconselhado e, se possível, a uma máquina fotográfica ou de filmar como forma de perpetuar, ao longe, na linha do Horizonte, aquela imagem inesquecível, porque única e tão diferente de tudo o que conhecemos.
Quem vê o Raio Verde fica diferente para sempre, porque, mais não seja, pela raridade da visão, sente-se um eleito premiado, contagiado pela infinita alegria de ter vivido uma experiência envolvente e única, marcada pela magia, aparentemente inexplicável, de um magnífico pôr-do-sol muito particular.
Se, na realidade, os segredos são magicamente revelados, como dizia Verne, só os que já o viram poderão confirmar. Mas é bom e muito reconfortante pensarmos que esse predicado do Raio Verde não é apenas o resultado da fértil imaginação do autor, e sim um indício de felicidade futura. No final, temos uma garantia – os segredos, os desejos mais íntimos e a esperança de auspiciosa sorte ficam perpetuados apenas nos registos da memória de quem teve a benesse de uma tal visão, no momento em que o Sol tocou no Horizonte e a luz mágica iluminou aqueles poucos segundos da História."

Manual de sobrevivência em meios socialmente hostis

Presenciando cenas pela manhã bem cedo recordo uma pessoa que conheci em São Tomé e Príncipe há uma eternidade e de quem perdi o rasto há ...