quinta-feira, 30 de agosto de 2018

Sobre a "arte da tatuagem"


Desculpem-me os meus amigos que são apaixonados por tatuagens, mas será limite meu não conseguir deixar de olhar, pensar e tentar entender porque é que há pessoas que pintam partes do corpo como as barrigas das pernas. E os braços como se fossem mangas de uma camisola com padrão jacquard. E o pescoço como se tivessem colocado um colar cheio de enfeites para adorno. Uns tatuam pequenas partes do corpo de forma aparentemente subtil, mas expõem-nas como se fosse o mais belo que tivessem para evidenciar. Outros deixam a centralidade da tatuagem coberta deixando a nossa criatividade criar e recriar o que poderá haver para lá de um pequeno risco. Outros cobrem o corpo com tal intensidade que não há célula visível que não esteja preenchida. Pintam tanto de preto como com colorações variadas. E pintam, pintam, pintam… ou deixam-se pintar.
Uma pintura é, em regra, uma obra de arte com um significado simbólico tanto para o artista que a cria como para quem a adquire. Qualquer artista procura que as suas obras de arte sejam vistas e admiradas pelo máximo público possível e o olhar crítico dos entendidos é imediatamente atraído para uma observação atenta, cuidada e interpretativa das cores, do traço, da forma e do estilo. E este é um factor de valorização da própria pintura. Por mais complexo que possa parecer, toda a obra de arte é sujeita a uma leitura analítica e compreensiva. E a tatuagem? Enquanto pintura criada por um artista, adquirida por um cliente que a expõe aos olhares alheios… também pode ser definida como obra de arte? E nós, os simples observadores por obrigação e não especialistas? Nós que involuntariamente temos os olhos inundados pelas imagens mais improváveis, muitas incompreensíveis com desenhos disformes e conjugações impensáveis de cores nos locais mais inesperados.
Todos os dias, sem excepção, neste Verão incomum, os meus olhos têm recaído em pessoas semi-vestidas que expõem corpos cuja pele se encontra em grande medida pintada. Na praia, nos centros comerciais, nos supermercados, nos restaurantes, nas ruas, nos jardins públicos, no ginásio. Além de gostarem de mostrar as obras de arte que fazem circular alegremente entre desconhecidos, param junto a superfícies espelhadas e visualizam-se orgulhosamente, certificando-se de que as pinturas ainda não ganharam asas e se mantêm por ali. E sempre que a oportunidade de dá pegam no telemóvel e cá vai uma selfie para registar a belezura do desenho e partilhar de seguida nas redes sociais.
E enquanto vou observando os diferentes “modus vivendi” sou levada a pensar que estas pessoas se sentem obras de arte ambulantes, itinerantes talvez, porque expõem o corpo como uma tela em que alguém pintou uma história que eles próprios, que a transportam, não sabem relatar. O orgulho que estas pessoas depositam nas pinturas que carregam faz-me pensar que, de alguma forma, devem sentir-se mecenas na promoção da arte. Para mim, o grande problema é não levarem com eles uma pequena placa interpretativa com a explicação do significado da obra que promovem com infinita ternura. E assim vou percebendo a dimensão dos meus profundos limites de conhecimento da realidade nacional. Não entendo a função da tatuagem que, na maioria dos casos, transporta o meu pensamento para interpretações pouco abonatórias e simpáticas, mas compreendo menos ainda o motivo da ostentação. E assim me confesso… sou uma desconcertada iletrada sobre arte corporal humana…


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