Desculpem-me os meus amigos que são apaixonados por
tatuagens, mas será limite meu não conseguir deixar de olhar, pensar e tentar
entender porque é que há pessoas que pintam partes do corpo como as barrigas das
pernas. E os braços como se fossem mangas de uma camisola com padrão jacquard.
E o pescoço como se tivessem colocado um colar cheio de enfeites para adorno. Uns
tatuam pequenas partes do corpo de forma aparentemente subtil, mas expõem-nas
como se fosse o mais belo que tivessem para evidenciar. Outros deixam a centralidade
da tatuagem coberta deixando a nossa criatividade criar e recriar o que poderá
haver para lá de um pequeno risco. Outros cobrem o corpo com tal intensidade
que não há célula visível que não esteja preenchida. Pintam tanto de preto como
com colorações variadas. E pintam, pintam, pintam… ou deixam-se pintar.
Uma pintura é, em regra, uma obra de arte com um significado
simbólico tanto para o artista que a cria como para quem a adquire. Qualquer artista
procura que as suas obras de arte sejam vistas e admiradas pelo máximo público
possível e o olhar crítico dos entendidos é imediatamente atraído para uma observação
atenta, cuidada e interpretativa das cores, do traço, da forma e do estilo. E
este é um factor de valorização da própria pintura. Por mais complexo que possa
parecer, toda a obra de arte é sujeita a uma leitura analítica e compreensiva.
E a tatuagem? Enquanto pintura criada por um artista, adquirida por um cliente
que a expõe aos olhares alheios… também pode ser definida como obra de arte? E
nós, os simples observadores por obrigação e não especialistas? Nós que
involuntariamente temos os olhos inundados pelas imagens mais improváveis,
muitas incompreensíveis com desenhos disformes e conjugações impensáveis de
cores nos locais mais inesperados.
Todos os dias, sem excepção, neste Verão incomum,
os meus olhos têm recaído em pessoas semi-vestidas que expõem corpos cuja pele
se encontra em grande medida pintada. Na praia, nos centros comerciais, nos
supermercados, nos restaurantes, nas ruas, nos jardins públicos, no ginásio. Além
de gostarem de mostrar as obras de arte que fazem circular alegremente entre
desconhecidos, param junto a superfícies espelhadas e visualizam-se
orgulhosamente, certificando-se de que as pinturas ainda não ganharam asas e se
mantêm por ali. E sempre que a oportunidade de dá pegam no telemóvel e cá vai
uma selfie para registar a belezura do desenho e partilhar de seguida nas redes
sociais.
E enquanto vou observando os diferentes “modus vivendi”
sou levada a pensar que estas pessoas se sentem obras de arte ambulantes,
itinerantes talvez, porque expõem o corpo como uma tela em que alguém pintou
uma história que eles próprios, que a transportam, não sabem relatar. O orgulho
que estas pessoas depositam nas pinturas que carregam faz-me pensar que, de
alguma forma, devem sentir-se mecenas na promoção da arte. Para mim, o grande
problema é não levarem com eles uma pequena placa interpretativa com a
explicação do significado da obra que promovem com infinita ternura. E assim
vou percebendo a dimensão dos meus profundos limites de conhecimento da
realidade nacional. Não entendo a função da tatuagem que, na maioria dos casos,
transporta o meu pensamento para interpretações pouco abonatórias e simpáticas,
mas compreendo menos ainda o motivo da ostentação. E assim me confesso… sou uma
desconcertada iletrada sobre arte corporal humana…