terça-feira, 31 de maio de 2005

O dia de anos

O dia de anos sempre foi um dos meus preferidos. Em pequena achava que era mesmo um dia diferente e que não era preciso ir à escola. Afinal era o dia em que eu nascera e por isso se tornava tão especial. Sim, no dia em que nascemos só devíamos mesmo fazer as coisas que gostássemos, sem obrigações. Lazer, lazer, lazer! E prendas, claro, muitas prendas. Este era um ponto de discórdia em minha casa, já que eu gostava que os presentes fossem surpresa, mas, nos dias que antecediam a data, não resistia a percorrer os cantos todos da casa até descobrir os embrulhos.

Era uma trabalheira que dava um gozo indescritível. Ainda hoje me lembro do meu coração a bater mais depressa quando me decidia a empreender esta tarefa arriscada. Os níveis de adrenalina subiam só de pensar que podia ser descoberta numa situação constrangedora, envolta por papel de embrulho e laçarotes. Eram minutos fantásticos e o encontro, dos meus olhos com as caixas ou sacos, memorável. Uma vez descoberto o local secreto, dedicava-me a abrir os presentes, um por um, com todo o cuidado, esperando que ninguém percebesse onde a minha curiosidade me levara. Este meu desejo era em vão porque, não só percebiam o que eu fizera como, ficavam zangados, o que era terrível porque eu não os queria desiludir, só que não resistia.

No dia de anos, recebia as prendas na mesma e fazia uma enorme festa como se os estivesse a ver pela primeira vez, mas os outros ficavam tristes porque entendiam que aquele momento era um ritual que eu estragara.

Fui crescendo e fui percebendo que a vida não era, na totalidade, como eu desejava e que o Mundo nem sempre entendia bem estes meus devaneios infantis. Apesar de tudo, fui bafejada pela sorte e, por imperativos da profissão, tive sempre a possibilidade de, com alguma flexibilidade, escolher os meus horários laborais. Claro que quando, com muito tempo de antecedência, escolhia os dias de trabalho e propunha os horários, tinha sempre em atenção a “minha data”. E fui-me habituando a ter aquele dia livre para fazer o que muito bem me apetecesse.

Com o tempo a magia do dia de anos foi-se perdendo, tal como outros encantos, e hoje penso mesmo que já não se devia fazer anos a partir dos... trinta e... Claro que o ritual das prendas continua a ser magnífico, para quem dá e para mim que recebo, apesar de ter perdido a prática no que respeita à quebra do ritual da oferta com a antecedente busca. Mas a ideia de fazer mais um ano é terrível. Só de pensar que passaram 12 meses por mim sem que eu tivesse realizado grandes feitos, mas com o aparecimento de novas rídulas (espero que ainda não sejam rugas) no contorno dos olhos, da proximidade dos cabelos brancos (que ainda não chegaram), de mais umas gramas (para não dizer quilos) entre outras coisas assusta-me.

Eu que era a “menina dos anos” aqui em casa e que estou ad eternum condenada a ser uma criança, mas agora mais velha (madura...???), penso que, se há greves a tanta coisa, também devia haver a greve ao dia de anos.

Manual de sobrevivência em meios socialmente hostis

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