quinta-feira, 19 de maio de 2005

Nada do que foi volta - IV

Abel não sentia saudades de Vera, mas sim da vida que tinha tido quando se cruzaram, partilhando espaços e tempos, momentos únicos que jamais se repetirão e que ele nem sequer desejou que se repetissem. Sentia a nostalgia do passado pela liberdade que tinha usufruído naquele local, pela possibilidade de se relacionar com quem entendesse e de se sentir dono da sua própria vida, sem ter de dar explicações do que fazia, a quem quer que fosse. Foi aí que conheceu Vera, uma mulher independente, interessante, não particularmente bonita mas o suficiente para se destacar das outras que ali viviam, que cativava os homens e causava inveja às mulheres. Tinha os requisitos para lhe chamar a atenção.

Vera era uma mulher estranha porque demasiado directa e sincera, de uma frontalidade que Abel desconhecia porque nunca encontrara estes predicatos em ninguém. Se essa forma de ser e de estar o seduzia também o afastava e a relação deles foi, desde o início, marcada por desencontros e contradições. Havia uma atracção irresistível entre os dois que era difícil de contrariar, principalmente quando se encontravam sozinhos. Passaram a fazer parte da vida um do outro porque o contexto assim o permitiu e o destino o ditou.

Vera era, para Abel, uma conquista necessária, não só por estranhamente ser uma das mulheres mais cobiçadas do sítio, consequentemente muito conhecida e um ponto de referência num mundo que ele começava a descobrir, mas também por ter um halo de mistério à sua volta que ele queria perceber e desmistificar. Ninguém sabia ao certo o que motivava aquela mulher a viagens sucessivas e estadias solitárias, andando por onde queria e relacionando-se com quem entendia, sempre com ar de ser senhora do seu nariz. Falava a todos e, na verdade, não se dava a ninguém. Tinha consciência que era comentada pela maioria, nem sempre bem, e apesar disso continuava o seu rumo com a sábia certeza de que os ditos e contos só afectam quem neles acredita.

E, enquanto se iam conhecendo, Vera olhava Abel com a tranquilidade de estar segura porque aquele homem, apesar de simpático, não fazia o seu género e não havia a menor hipótese de se envolverem. Ela nem sequer ali estava para se envolver com ninguém. Queria apenas aprender num sítio distante, longe da protecção dos seus, conhecer novas caras e espíritos abertos, e melhorar-se como pessoa, encontrando um rumo para a vida. Abel olhava Vera como se de uma peça de caça se tratasse, tinha de a capturar, e falando com um amigo de sempre foi feita uma aposta. Ela seria sua.

Manual de sobrevivência em meios socialmente hostis

Presenciando cenas pela manhã bem cedo recordo uma pessoa que conheci em São Tomé e Príncipe há uma eternidade e de quem perdi o rasto há ...