segunda-feira, 30 de agosto de 2004

O nosso ritual

Começou por ser nas noites de domingo, quando todos se recolhiam, cansados do dia de praia ou porque a moleza invadia os movimentos e o espírito não contrariava a vontade, após uma longa caminhada, que sózinhos cumpríamos o “nosso” ritual.
Sentiamo-nos bem assim. Ouviamos música, normalmente dos meus CDs, que com a minha partida herdaste, sendo as nossas faixas preferidas o She e o Honesty. E ouviamos repetidamente, sem nos cansarmos, porque qualquer uma tinha que ver connosco.
E ao som da música, nas noites quentes de domingo e para terminar o fim de semana em beleza, o ritual repetia-se - bebiamos chá e conversávamos.
Beber chá em África é uma prática magnífica. “Muito magífica mesmo”, como eu te diria acerca das coisas inesquecíveis. O chá que alimentou a ternura que surgia com um olhar, um desabafo e um sorriso. E de domingo, o ritual passou para outros dias da semana, em função da necessidade que sentiamos de uma carícia, de um abraço, de um segredo partilhado, de um miminho, de uma noite intensamente bem passada.
O ritual foi ganhando importância e fomos variando os chás em função do dia, do estado de espírito e da vontade, porque fomos também apurando os sentidos e entregando-nos, chá a chá, momento a momento, noite a noite. E assim aqueciamos as emoções.
Já era, só por si um ritual, a pergunta que, dependendo dos dias, eu ou tu faziamos – “Ofereces-me um chá?”. E o que queriamos era a voz, o reencontro do olhar quando nos sentiamos distantes, o toque intenso dos nossos dedos procurando-nos, fazendo-nos sentir presentes, o sabor quente das nossas bocas numa troca terna e envolvente, directa e profunda, doce e picante, tornando-nos únicos no Mundo.
E hoje, passadas tantas noites sem chá, sinto-te ainda presente. E tudo, por causa do ritual...

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